Dando continuidade ao relato da
reunião sobre currículo que ocorreu na EMEF Ernani Silva Bruno, quero em
primeiro lugar agradecer as pessoas que contribuíram com seus comentários e
agora apresento as respostas dos/das professores/as às questões:
Currículo: o que tira o
sono de vocês?
Fundamental I (1° ao 5°ano)
·
Falta de tempo
·
Organizar prioridades e dar conta
·
Gestão do tempo
·
Identificar as prioridades dentre tantas
demandas
·
Gerir todos os recursos que temos
·
Não há material para Educação Física
·
Decidir o que é mais importante para ser
ensinado
·
Responder a três questões: o que ensinar? Para
que ensinar? Como ensinar?
Fundamental II (6° ao 9°ano)
·
Será que o esforço do professor realmente
atinge aqueles que estão na sala de aula?
·
Como tornar o ensino mais interessante? Como
fazer com que o aluno saiba a utilidade do conhecimento? Como deixar o ensino
dinâmico, agradável?
·
Há uma falsa ideia de que há autonomia para
criar o currículo. Há o “vem de cima” e , portanto, limitação.
·
Lembrar que existe o currículo real, o
possível e o que é praticado.
·
O que fará diferença para o aluno?
·
Necessidade de reorganizar as expectativas
adequando a realidade da escola e daqueles alunos
·
Ver o resultado do trabalho
·
Lidar com as situações interpessoais
·
Trabalhar com um olhar mais humano
·
Pensar nos alunos ótimos, pois empregamos
nossas forças geralmente com aqueles que têm maiores dificuldades.
·
Manter a disciplina
·
Entender o que é autonomia, autoridade e
disciplina.
Todas as questões acima tiram o sono
dos professores desta escola específica, mas possivelmente apresenta
semelhanças com as ideias de professores de outras escolas, por tratar de
assuntos tão caros a escola de forma geral, como a transposição didática, a
transformação que conteúdo sofre para se
apresentar como escolar, as decisões que envolvem a escolha desses conteúdos, o
caminho existente entre o que está posto como parâmetro nacional e as
necessidades da escola e dos alunos, a gestão do tempo e dos recursos
disponíveis, a construção do Projeto pedagógico. Além disso, existe a
preocupação com as relações humanas, com a construção de um olhar humanista, a
preocupação em ver o resultado do trabalho com os alunos, em entender
conceitos, relações e questões que a
formação inicial não deu conta: disciplina, autoridade, autonomia...tantas
demandas, tantas angústias. Olhar para as questões colocadas pelos professores pensando
enquanto formador/a, nos dá a oportunidade
de perceber suas angústias e demandas de formação e discussão, bem como de
pensar formas de contribuir para o desenvolvimento do trabalho.
Antes de apresentarmos as ideias de
alguns/as autores/as sobre o que é currículo, perguntamos aos/as professores/as
o que eles achavam, confira abaixo as respostas:
O que é currículo?
·
Envolve questões Atitudinais
·
Envolve conteúdos
·
Programa a ser cumprido
·
Uma série de atividades a serem realizadas na
escola
·
Seleção de conteúdos e atividades (a seleção
que se faz tem a ver com valores)
·
PPP (Projeto Político Pedagógico)
·
Envolve uma concepção de Educação
·
PCN´s/Expectativas de aprendizagem
·
Atitudes que revelam concepções
·
Currículo oculto: não oficial, mas que ensina.
Que imagens vocês têm de currículo?
Para essa questão, apresentamos
algumas imagens e pedimos para que dissessem quais delas representava currículo
para eles/as. As imagens eram de livros, professores em sala de aula com os
alunos, fanfarra da escola, crianças andando no bairro com um adulto, projeto
político pedagógico... a resposta foi a de que todas as imagens poderiam
representar currículo. Depois, os professores falaram sobre as imagens que
vinham à cabeça quando pensavam em currículo.
Em seguida, apresentamos algumas ideias
sobre currículo a partir de alguns/as autores/as:
A
primeira foi a mais elementar, retirada do dicionário:
Substantivo masculino
• 1 Ato de correr; corrida, curso
• 2 Pequeno atalho, desvio em um caminho
• 3 Programação
total ou parcial de um curso ou de matéria a ser examinada
• Ex.: no
primeiro dia, os professores apresentaram os currículos dos cursos de
matemática e física
• Etimologia:
lat. Curriculum, currere
Obtido em:
Depois,
introduzimos outras definições:
“O Currículo são disciplinas
permanentes como gramática, leitura, lógica, retórica, matemática e os melhores
livros do mundo ocidental que melhor reúnem o conhecimento essencial. Um
exemplo é o do Currículo Nacional encontrado no Reino Unido, com três
disciplinas essenciais e sete fundamentais, incluindo conteúdo e objetivos
específicos para realizações dos alunos em cada disciplina”. (MARSH; WILLIS,
2007).
“Currículo é o conjunto daquilo que se
ensina e daquilo que se aprende, de acordo com uma ordem de progressão
determinada, no quadro de um dado ciclo de estudos. Um currículo é um programa
de estudos ou um programa de formação, mas considerado em sua globalidade, em
sua coerência didática e em sua continuidade temporal, isto é, de acordo com a
organização sequencial das situações e das atividades de aprendizagem às quais
dá lugar”. (FORQUIN, 1996).
“O Currículo de uma escola – ou de um
curso ou de uma sala de aula – pode ser concebido como uma série de eventos
planejados que pretendem ter consequências educacionais para um ou mais alunos”.
(EISNER, 2002).
“O currículo tem que ser entendido
como a cultura real que surge de uma série de processos, mais que como um
objeto delimitado e estático que se pode planejar e depois implantar; aquilo
que é, na realidade, a cultura nas salas de aula, fica configurado em uma série
de processos: as decisões prévias acerca do que se vai fazer no ensino, as
tarefas acadêmicas reais que são desenvolvidas, a forma como a vida interna das
salas de aula e os conteúdos de ensino se vinculam com o mundo exterior, as
relações grupais, o uso e o aproveitamento de materiais, as práticas de
avaliação etc”. (GIMENO SACRISTÁN, 1995)
(...) “as experiências escolares que
se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que
contribuem para a construção das identidades de nossos/as estudantes”
(CANDAU;MOREIRA, 2007)
“O currículo é, na acepção freireana,
a política, a teoria e a prática do que-fazer na educação, no espaço escolar, e
nas ações que acontecem fora desse espaço, numa perspectiva
crítico-transformadora”. (SAUL, 2008)
“O currículo representa muito mais do
que um programa de estudos, um texto em sala de aula ou o vocabulário de um
curso. Mais do que isso, ele representa a introdução de uma forma particular de
vida; ele serve, em parte, para preparar os estudantes para posições dominantes
ou subordinadas na sociedade existente. O currículo favorece certas formas de
conhecimento sobre outras e afirma os sonhos, desejos e valores de grupos
seletos de estudantes sobre outros grupos, com frequência discriminando certos
grupos raciais, de classe ou gênero”. (McLAREN, 1977)
“(...) Concebo o currículo como um
processo complexo e contínuo de planejamento ambiental. Assim, o currículo não
é pensado como uma “coisa”, como um programa ou curso de estudos. Ele é
considerado como um ambiente simbólico, material e humano que é constantemente
reconstruído. Este processo de planejamento envolve não apenas o técnico mas o
estético, o ético e o político, se quisermos que ele responda plenamente tanto
ao nível pessoal quanto ao social”. (APPLE, 1997)
É relevante ressaltar que distribuímos
essas definições oas/as professores/as antecipadamente à reunião, para que
pudessem ler, refletir a respeito e comentar qual ou quais definições se aproximavam
mais do que eles/elas acreditavam que era currículo, para que discutíssemos no
grupo.
Lembramos ao grupo que: “Definições da palavra Currículo não resolvem
problemas curriculares; mas realmente sugerem perspectivas a partir das quais
podemos visualizá-los.” (Lawrence Stenhouse)
Depois da discussão sobre as
definições, nós pontuamos algumas questões referentes às reflexões que precisávamos
fazer acerca da construção do currículo da escola, de modo que ficasse
esclarecido que a discussão de currículo envolve conflito e concepções que nem
sempre convergem. Abaixo, apresento as questões discutidas:
·
Toda concepção de Currículo carrega teorias de
ensino e aprendizagem, concepções filosóficas, antropológicas, sociológicas, e
psicológicas. Está molhada das visões de mundo e práticas estabelecidas por
homens e mulheres; de seus valores, hábitos e
crenças.
·
Por isso, mudar o currículo não é um trabalho
fácil! Exige enfrentar estruturas autoritárias, educar os medos e superar
dificuldades.
Dimensões do Currículo:
·
Filosófica/Sociológica/Política: Que ser
humano queremos formar? Qual é a sociedade que se quer?
·
Psicológica: quem é o nosso aluno?
·
Pedagógica: como se dá o ensino-aprendizagem?
A construção e o desenvolvimento
do Currículo requerem respostas às
seguintes questões:
·
Currículo para quê?
·
Currículo para quem?
·
Currículo a favor de quem?
Alguns
princípios para uma proposta de construção curricular:
·
Assunção da escola como espaço de cruzamento
de saberes. Um espaço específico, que tem compromisso com a construção de
conhecimentos significativos, diferentes daqueles produzidos em outros espaços
de socialização.
·
Ancoragem sócio-histórica dos conhecimentos.
·
Problematização da suposta neutralidade
cultural, relacionando os conteúdos curriculares às identidades culturais dos
educandos e a realidade concreto.
·
Desvelamento, identificação e subversão de
interesses ocultos (que interesses estão em jogo?)
·
Inserção, no currículo, dos saberes e vozes
das culturas negadas e silenciadas, com a perspectiva de superar a
invisibilidade de diferenças e afirmar uma imagem positiva dos grupos
oprimidos, destacando avanços, conquistas e formas de luta desses grupos
(questões de classe, raça/etnia, gênero, etc/relações de poder).
·
Compromisso com os oprimidos, desestabilizando
o modo como o outro é identificado e representado (busca da equidade, da
ocupação de espaços por todos/as e desenvolvimento de todos/as).
·
Favorecimento de uma visão dinâmica,
contextualizada e plural das identidades culturais, de estudantes e educadores, relacionando-as aos processos
sócio-culturais do contexto em que vivemos e à história de nosso país (estudo
da dimensão contemporânea da sociedade; relações de poder, política, etc).
·
Promoção de processos educacionais nos quais
seja possível identificar e desconstruir suposições que não nos permitem uma
aproximação aberta e empática à realidade dos outros.
·
Abertura da escola para diferentes
manifestações culturais.
·
Posicionamento político dos profissionais da
Educação. Situar-se frente aos problemas econômicos, sócio-políticos, culturais
e ambientais que hoje nos desafiam.
·
Comprometimento em tornar o Currículo um
espaço de estudos e de pesquisas.
Discutimos cada ponto apresentado
acima. Muitas coisas interessantes apareceram, como por exemplo a avaliação de
que precisamos discutir e trabalhar com as questões que envolvem relações
étnico-raciais e de gênero, se queremos construir uma escola que respeite as
diferenças, entre outras coisas.
Esse foi um “pontapé inicial” para a
discussão de currículo, apenas um início de conversa. Ainda há muito o que
discutir e faremos isso ao longo do ano (ou mesmo dos anos...).
Bibliografia
citada:
APPLE, Michael W.; e BEANE, James A .
(Orgs.). Escolas Democráticas. São Paulo: Cortez. Editora, 1997.
APPLE, Michael W. Ideologia e
Currículo. São Paulo: Cortez. Editora, 2006.
CANDAU, Vera; MOREIRA, Antonio Flávio.
(2007) Indagações sobre o currículo - Currículo, Conhecimento e Cultura. Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag3.pdf. Acesso
em: 27 mar. 2012.
EISNER, Elliot. The Arts and the Creation of Mind. Connecticut:Yale
University Press, 2002.
FORQUIN, Jean Claude. Sociologia da
educação. Petrópolis: Editora Vozes, 1995.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia:
saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
GIMENO SACRISTÁN, José. Currículo e
diversidade cultural. IN: SILVA, Tomaz Tadeu e MOREIRA, Antonio Flávio.
(Orgs.).Territórios contestados. Petrópolis: Vozes, 1995
GOOSON, Ivor. Currículo: teoria e
história. Petrópolis: Editora
Vozes, 1995.
MARSH, Collin; WILLIS, George. Curriculum. NJ: Prentice Hall, 2007.
McKERNAN, James. Currículo e imaginação: teoria do processo,
pedagogia e pesquisa-ação. Porto. Alegre: Artmed, 2009.
MCLAREN, Peter. Multiculturalismo
crítico. São Paulo: Cortez, 1997.
MCLAREN, Peter. A vida nas escolas:
uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da educação. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1997. SAUL, Ana Maria. Currículo. In: STRECK, Danilo; REDIN,
Euclides; ZITKOSKI, Jaime José (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2008.
Obs. A seleção dos trechos com as
definições de currículo foram organizadas por Alexandre Saul. Agradecemos a
disponibilização do material.
Edna de Oliveira Telles