quinta-feira, 29 de maio de 2014

Palestra do professor Antônio Nóvoa na Feira Educar/Educador 2014

Fonte da imagem: http://www.educar.editorasegmento.com.br/materia/9303/%E2%80%9Ca-escola-que-conhecemos-vai-desaparecer%E2%80%9D

No dia 23 de maio de 2014, na Feira Educar/Educador, que ocorreu no Centro de Exposições Imigrantes, das14h30 às 16h00 aconteceu uma palestra maravilhosa com o professor Antônio Nóvoa, da Universidade de Lisboa, Portugal. O título de sua palestra foi “A construção coletiva do projeto educativo da escola”. Ele anunciou que faria uma fala breve e simples, uma introdução ao assunto, já que o tempo era curto e que essa fala consistiria na análise de três pontos: aprendizagem, ambientes escolares e cidade educadora. Para Nóvoa, esses pontos poderiam ser analisados por inúmeros pontos de vista, dada a sua complexidade, mas que sua escolha seria por discutir a questão das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) na educação. Transcrevo abaixo, a sua fala:

“Debaixo de nossos olhos e perante uma certa indiferença de nossa parte, estão acontecendo três revoluções: na aprendizagem, nos ambientes escolares e na cidade educadora”.

1. Revolução na aprendizagem

Há muitas maneiras de entrar nessa questão. É preciso olhar para a revolução digital. As tecnologias não resolvem nossos problemas, mas tentarei explicar uma mudança histórica que está acontecendo. Não a tecnologia em si, mas o que ela tem feito com nossa forma de aprender. A escrita foi a revolução que nos trouxe para a história. Depois veio a imprensa (com Gutemberg) que nos permitiu a escola e a cultura escolar do modo como a conhecemos. Nós vivemos hoje uma revolução digital, é algo imenso sobre o qual precisamos refletir.
A principal invenção tecnológica, no campo do ensino, nos últimos dois séculos foi o quadro negro (a lousa).

O quadro negro tem 4 principais características:

1 – É fixo, define um espaço, delimita
2 – É um elemento vazio, é preciso que alguém escreva nele alguma coisa.
3 – Por definição, a lousa obriga uma comunicação vertical, do professor para o aluno.
4 – É um instrumento que é utilizado coletivamente.

Agora, vejamos as 4 principais características de um Iphone:

1 – É um instrumento móvel
2 – Não é vazio, é cheio
3 – Implica/induz uma comunicação horizontal
4 – Pode ser utilizado no plano individual

Então, vivemos hoje grandes transformações:
do Fixo para o móvel
do vazio para o cheio
do vertical para o horizontal
do coletivo para o individual

Vivemos o limiar de uma mudança que nos permitirá finalmente concretizar muitas coisas que temos dito nos últimos 100 anos, mas que não conseguimos fazer.

O que nos move e nos faz sonhar há 100 anos?
  • autonomia dos educandos
  • pedagogia da pesquisa
  • autoformação
  • interação
  • aprender fazendo
  • aprender relacionando-se
  • aprender comunicando-se
  • métodos ativos
  • criação
  • trabalho em grupo
  • diferenciação pedagógica
  • individualização do ensino

Em relação a tudo isso, temos dito muito e temos feito pouco. Nós tínhamos um ideário pedagógico, mas não tínhamos uma estrutura pedagógica para que isso fosse concretizado. Nós, educadores humanistas, sempre desconfiamos e fomos críticos das tecnologias e, por ironia do destino, talvez estejamos vivendo uma possibilidade de construção de uma escola onde os dispositivos/instrumentos para concretizar nosso ideário esteja no uso dessas tecnologias. O que conta, não é a tecnologia em si e sim os seus usos, uma aprendizagem que liberta, que inclui, a relação com o conhecimento, a cultura. Precisamos usar a tecnologia para concretizar esses objetivos.

2. Revolução nos ambientes escolares

E o que apareceu ao lado do quadro negro? O desenho do plano de uma sala de aula. A ideia de ensinar a muitos como se fossem um só. Isso foi uma enorme revolução, ensinar a muitos ao invés de ensinar um por um. A partir daí, todas as salas de aula, nos últimos 150 anos e no mundo todo, são assim (com raras exceções). A escola nasceu como normalização. Não é a toa que a formação de professores era feita em escolas normais, pois se destinava a normatizar o ensino. Nós nunca tivemos escolas, nós tivemos salas de aula. Sempre pensamos a escola como o somatório de salas de aula.
Essa organização do espaço vai mudar. Haverá uma revolução no ambiente escolar. Uma lógica colaborativa, de construção de redes, ambientes diversos, de convivência, de aprendizagem. Nóvoa citou um autor chamado Sérgio Niza que diz “nós professores não somos uma corporação, nós somos um colégio colaborante, no qual em comum, trabalhamos”.
O século XXI será um conjunto de professores trabalhando em rede. Haverá diversidade de espaços, multiplicidade de espaços. A escola terá uma configuração muito diferente do que conhecemos hoje. A ideia ´de construção coletiva de um projeto educativo para a escola, em colaboração.
Na linguagem normal, escola é sinônimo de prédio escolar. A escola vai se desvincular do ponto de vista físico, estará pautada na ideia de colaboração, para uma dimensão de rede. E o projeto educativo é que dará sentido a essa nova ideia de escola. O professor será um organizador do trabalho, dos estudos, do conhecimento. Vai deixar de existir escolas tal como conhecemos hoje e isso vai acontecer muito mais rápido do que imaginamos. E a Educação terá um papel muito mais importante do que já tem hoje.
Nós todos temos uma enorme chance, nós somos contemporâneos, vai ser em nossas vidas que veremos essas mudanças. Citou a “pedagogia da esperança” de Paulo Freire e disse que temos uma oportunidade extraordinária de fazer essa mudança, mesmo com os medos e as dúvidas.

3. Revolução na “cidade educadora”

Quando a escola do quadro negro nasceu, as escolas eram pequenos edifícios no meio do nada. Havia poucas cidades, a escola vivia numa espécie de deserto, e de um deserto cultural também. A escola teve que trabalhar contra esse deserto que existia à sua volta [nesse momento, Nóvoa usou a imagem de uma construção pequena no meio do nada]. E nós continuamos a fazer de conta que a escola ainda vive nesse deserto.
[Nesse momento Nóvoa mostra a imagem de uma grande metrópole com todas as sua luzes acesas] e diz: é preciso investir nas grandes possibilidades educativas. Citou Paulo Freire e a cidade educadora. Esta escola transbordante, que quer fazer tudo, excessiva...precisamos de uma escola que entende que há mais educação para além da escola.
  • conhecimento
  • redes locais
  • centros culturais
  • naves do conhecimento
  • instituições
  • famílias
  • igrejas
  • centros de ciências
  • etc, etc, etc...

Resumindo a terceira revolução: chegou o tempo de pensar a educação para além da escola, de compreender todas as dimensões educativas que existem na cidade, na sociedade. Citou Gaston Bachelard: “o nosso problema não é transformar o mundo, porque ele transformar-se-á de qualquer maneira, o nosso problema é o sentido, é o rumo dessa mudança”.
É preciso conversar a respeito, refletir a respeito. É preciso construir a nossa versão dos fatos.
Nada substitui um bom professor, mas este professor já não é um professor individual, está em rede, assumindo uma responsabilidade coletiva, a construção coletiva do projeto educativo da escola.
E finaliza: “esta é a minha visão dos fatos, minhas dúvidas e minha compreensão. Peço que vivam esse momento com o espírito aberto” e cita o texto de Guimarães Rosa “a terceira margem do rio”, dizendo: “a terceira margem do rio é o próprio rio, o percurso, o caminho, o curso das águas”.