sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Terezinha Azerêdo Rios no Seminário de Educadores/as do Jaraguá

No dia 14 de setembro tivemos na região das escolas do Jaraguá, o Seminário de Educação, cujo tema central foi “MULTIPLAS LINGUAGENS COMO POTENCIALIZADORAS DO CURRICULO: A NECESSIDADE DE (RE)CRIAR A AÇÃO DOCENTE, OS TEMPOS E ESPAÇOS EDUCATIVOS”. O seminário contou com a palestra de Terezinha Azeredo Rios pela manhã e de Ana Maria Saul pela tarde. Nos dois períodos também ocorreram oficinas apresentadas pelas pessoas das escolas da região (entre CEIs, EMEIs e EMEFs) e colaboradores/as. Eu ministrei uma oficina junto com a POIE da escola onde sou coordenadora pedagógica, Marcella Fusatti, cujo título era: MÚLTIPLAS LINGUAGENS E NOVAS TECNOLOGIAS: UM NOVO PARADIGMA EDUCACIONAL COM USO DE LAPTOPS EM SALA DE AULA. Nessa oficina apresentamos o Projeto UCA (Um computador por aluno) e levamos os laptops educacionais para a realização da mesma.
Mas a contextualização aqui feita tem o objetivo de apresentar a seguir as minhas anotações da palestra da professora Terezinha Azerêdo Rios, que foi simplesmente maravilhosa e acredito que conhecimento só tem valor se a gente compartilha.

 

Mineira de Belo Horizonte, Terezinha Azerêdo Rios formou-se em Filosofia na UFMG. Fez o mestrado em Filosofia da Educação na PUC-SP e o doutorado em Educação na Faculdade de Educação da USP. É professora da PUC-SP. Faz parte do Conselho Editorial de Educação da Cortez Editora, pela qual publicou Ética e Competência e Compreender e ensinar – por uma docência da melhor qualidade, e, pela Editora Moderna, Filosofia na escola – o prazer da reflexão, em parceria com Marcos Lorieri. Trabalha também como assessora e consultora em projetos de formação de professores e educação continuada de profissionais de diversas áreas do conhecimento.

A professora Terezinha iniciou sua palestra, que era sobre os desafios da profissão docente, citando Paulo Freire: “A prática de pensar a prática é a melhor maneira de pensar certo”. E indagou: será que estamos sempre refletindo sobre o nosso trabalho? Pensar, nós pensamos sempre, mas nem sempre refletimos. E para completar o raciocínio, cita em seguida, o grande escritor José Saramago: “Se podes olhar. vê. Se podes ver, repara”. Reparar implica um olhar atento. Envolvidas/os no trabalho cotidiano, muitas vezes a gente não tem condições de reparar. É necessário “olhar para o nosso trabalho”, reparar atentamente. Um olhar crítico, um olhar com abrangência, é preciso ver com clareza, é preciso “desembaçar os óculos”, ver fundo, não se contentar com a superfície, com as aparências.
Diz em seguida que a realidade é contraditória, depende do jeito que a gente vê. Uma pessoa pode ser alta. Mas depende do ponto de comparação. Dependendo, pode ser baixa. Então, uma pessoa não é alta ou baixa, ela é alta e baixa. O curto pode ser comprido. Depende. É curto e comprido. Nesse sentido, o desafio seríssimo é colocar-se no lugar do outro. É levar em consideração o olhar que esse outro tem da realidade. A pergunta tem que ser pelo sentido, pelo significado, pelo valor.
É importante em nosso trabalho perguntarmos: O que fazer? Como fazer? Mas o mais importante é perguntar: para que? Essa é pergunta fundamental. O desafio da nossa profissão é ter a humildade e a coragem de assumir uma atitude crítica. Pois uma atitude crítica requer coragem porque é uma atitude perigosa. Nos mostra as vezes aquilo que não queremos ver. Nos aponta coisas que talvez precisemos modificar. Perguntemo-nos: meu ofício me agrada? Que ofício é esse? O que faz um/uma professor/a? O que tem que fazer um/uma professor/a? A gente quer ser um/uma bom/boa professor/a? O que faz um/uma bom/boa professor/a?
Ser professor é construir a humanidade. A Educação é a socialização da cultura. É a partilha do que a humanidade constrói. Ninguém nasce humano, torna-se humano. E vamos nos tornando humanos por um processo educativo, que no âmbito da escola é sistemático e organizado, onde se constrói e reconstrói cultura para a formação de seres humanos. A questão é: que humanidade eu quero construir? E então estabeleço currículo, organizo políticas. É a construção de si e dos outros para o exercício da cidadania. É construir liberdade com responsabilidade. O desafio guarda nele um gesto de desconfiança. E o que é que se coloca em dúvida em relação ao nosso ofício? Dar conta do nosso trabalho em todas as dimensões da competência: ética, política e estética. É um ofício complexo. Mas a competência não está pronta, ela vai se construindo. Ser competente hoje é diferente de ser competente ontem. Faz-se necessário indagar: é isso mesmo que eu preciso saber? É isso mesmo que eu preciso ensinar? E é importante lembrar que ninguém é competente sozinho. As condições não estão apenas em mim. Está no entorno, está no contexto. E termina sua palestra, citando João Cabral de Melo Neto: “um galo sozinho não tece uma manhã, ele precisará sempre de outros galos...”

domingo, 16 de setembro de 2012

Você conhece a Escola Nacional Florestan Fernandes?



Sábado, dia 15 de setembro foi um dia muito especial para a minha formação enquanto pessoa, para além da educadora, mas também para a educadora. Fui, juntamente com minhas colegas e meus colegas do Grupo de Estudos das escolas de Taipas, Jaraguá e Morro Grande, conhecer a Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema, SP.

Para quem não conhece, a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) é um centro nacional de Formação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), recebe militantes de todo o movimento, inclusive também de movimentos sociais de toda a América Latina. É carinhosamente apelidada de “Universidade dos Trabalhadores”.

Situada em Guararema (a 70 km de São Paulo) e inau­gurada em 23 de janeiro de 2005, a ENFF foi constru­ída entre os anos de 2000 e 2005, graças ao trabalho voluntário de pelo menos mil trabalhadores sem terra e simpatizantes. Sua missão é a de atender às neces­sidades da formação de militantes de movimentos so­ciais e organizações que lutam por um mundo mais justo.
Os recursos para a sua construção foram obtidos com a venda de fotos de Sebastião Salgado e do livro Terra (texto de José Saramago e música de Chico Buarque) e mediante a contribuição de entidades da classe traba­lhadora do Brasil, da América Latina e de várias partes do mundo.
Sua manutenção e funcionamento são assegurados por meio de financiamento de projetos nacionais e internacionais por organizações institucionais e priva­das, além da colaboração individual voluntária.

É uma escola que se “mistura” à vários outros movimentos sociais, movimentos rurais. Um exemplo pode ser  Movimento de mulheres.

A escola oferece um Núcleo de estudos latino-americanos (onde estuda-se, entre outras coisas, o que está sendo construído em termos de movimentos sociais na América Latina), há também um curso de especialização em estudos latino-americanos, um Núcleo de Teoria Política (que trata, entre outras coisas, da organização interna dos movimentos sociais, do pensamento de Marx, e preocupa-se com a formação de quadros do MST). Todos esses cursos são oferecidos apenas para pessoas ligadas ao MST e aos movimentos sociais. Mas, aos sábados, há os Círculos de Debates, que são abertos à comunidade em geral e que quiser, pode inscrever-se. Esses cursos acontecem graças à parcerias com cerca de 30 universidades públicas e outros núcleos formais. Há também a Associação dos amigos/parceiros da ENFF, onde José Saramago foi um dos colaboradores. Citaram também Chico Buarque de Holanda, professores/as de universidades, entre outros.

Todo o trabalho na ENFF é voluntário e baseado na auto-sustentação. Tudo o que é consumido é plantado ali mesmo. O espaço é bem grande e dispõe de alojamentos para estudantes que vêm de toda a América Latina, a capacidade é para 200 pessoas. Há o prédio onde ficam alojados/as os/as professores/as, lavanderia industrial, cozinha industrial, o espaço “Ciranda Saci-Pererê”, que é para as crianças (no intuito de incentivar as mulheres que são mães a fazer os cursos).

É um espaço de debates, de articulação, de formação sociológica, política e filosófica. A proposta de Educação nasce das práticas dos movimentos sociais e na constatação da falta de uma Educação efetiva para o campo. É impossível pensar nos movimentos no campo sem pensar nos processos de Educação. São os sujeitos do campo pensando os processos educacionais. Os cursos são baseados em uma Pedagogia socialista, pedagogia de Paulo Freire (pedagogia do oprimido), pedagogia do trabalho, cooperação agrícola e prática dos movimentos.

Problematizam as questões: o que é a escola rural hoje? O que é a educação no campo? E constatam que falta um sistema nacional de Educação que incorpore o campo. Discutem então, assuntos como desenvolvimento agrícola, Reforma Agrária, construção de uma educação do campo. É uma proposta que valoriza a cultura camponesa, os conteúdos são contextualizados no jogo do poder, porque compreende-se que no imaginário as sociedade há um preconceito com o homem e a mulher do campo, e isso se dá em meio à essas relações. Os objetivos do MST são a luta pela terra, a luta pela reforma agrária e contra as multinacionais e o agronegócio.

Discute-se também um projeto histórico de transformação social, de orientação socialista, discute-se um programa nacional de educação na reforma agrária, mas reconhecem que toda essa luta ainda é muito incipiente, mas a educação é a bandeira central do movimento. Há na Escola Nacional Florestan Fernandes o acesso ao conhecimento científico negado pelo sistema formal.

A escola conta com a ajuda de professores como Luiz Carlos de Freitas, István Mészáros, entre outros.


O ESPAÇO FÍSICO DA ENFF

A escola está erguida sobre um terreno de 120 mil m2, com instalações de alvenaria de tijolos fabricados pelos próprios trabalhadores. O projeto arquitetônico, oferecido voluntariamente, teve como princípio causar o menor dano ao meio ambiente.
Ao todo, são três salas de aula, que comportam juntas até 200 pessoas, um auditório, dois anfiteatros, uma biblioteca com 40 mil livros (obtidos por meio de doação), com espaço de leitura e ilha de edição. Além disso, a escola conta com quatro blocos de alojamento, refeitórios, lavanderia e casas destinadas aos assessores e às famílias de trabalhadores que residem na escola. Sua horta, pocilga e pomar produzem para consumo local. Para o lazer, oferece um campo de futebol gramado e uma quadra multiuso coberta.
O seu uso demanda a dedicação integral de 35 tra­balhadores residentes no local, de todas as áreas (admi­nistrativa, pedagógica, infraestrutura elétrica e sanitária e outros). Todos os que frequentam os cursos se encar­regam da limpeza, dos cuidados com a horta e outros trabalhos de manutenção.
A creche “Ciranda Infantil Saci Pererê” oferece um ambiente sadio e cuidadoso às crianças, enquanto seus responsáveis, principalmente as mães, estudam e/ou tra­balham.


O TRABALHO DE FORMAÇÃO DA ENFF

Nos cinco primeiros anos de sua existência, passa­ram pela escola 16 mil militantes dos movimentos so­ciais do campo e da cidade, de todos os Estados do Brasil e de outros países da América Latina e da África.
A escola tem o apoio de mais de 500 professores voluntários – do Brasil, da América Latina e de ou­tras regiões –, nas áreas de Filosofia Política, Teoria do Conhecimento, Sociologia Rural, Economia Política da Agricultura, História Social do Brasil, Conjuntura Inter­nacional, Administração e Gestão Social, Educação do Campo e Estudos Latino-americanos.
Além disso, oferece cursos superiores e de especiali­zação, em convênio com mais de 35 universidades (por exemplo, Direito e Comunicação no campo) e mestra­do sobre Questão Agrária, por meio de convênio com a UNESP e UNESCO.
A ENFF também mantém convênio com mais de 15 escolas de formação em outros países e com o Ministério da Educação de Cuba, com o objetivo de implementar no Brasil o método de educação e alfabeti­zação lá desenvolvido e praticado.

(parte do texto foi retirado do site www.amigosenff.org.br ) Entrem e colaborem!

Edna Telles







segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O dia em que conheci Bernard Charlot

Quem é Bernard Charlot?



Bernard Jean Jacques Charlot nasceu em Paris, em 1944. Formou-se em Filosofia em 1967 e, dois anos depois, foi lecionar Ciências da Educação na Universidade de Túnis, na Tunísia. De volta à França, em 1973, trabalhou por 14 anos na Ecole Normale, um instituto de formação de docentes. No período de 1987 a 2003, atuou como professor catedrático da Universidade de Paris 8, onde fundou a equipe de pesquisa Escol (Educação, Socialização e Comunidades Locais), voltada para a elaboração dos elementos básicos da teoria da relação com o saber. Após se aposentar, veio para o Brasil. Como professor-visitante da Universidade Federal de Mato Grosso, seguiu fazendo pesquisas até ser convidado para ser visitante na Universidade Federal de Sergipe, em Aracaju. Desde 2006, é lá que coordena o grupo de pesquisas Educação e Contemporaneidade, engajado em delinear as relações com os saberes e explicitar de que forma os alunos se apropriam deles (http://filosofarpreciso.blogspot.com.br/2009/06/bernard-charlot-ensinar-com-significado.html), acesso em 10/09/2012.


No dia 01 de setembro (sábado) tive o prazer de conhecer pessoalmente Bernard Charlot. Fui a uma palestra dele no Instituto Singularidades, em São Paulo. Dentre tantas coisas que Charlot disse, compartilho aqui algumas das ideias que ele trouxe para discussão. Uma das coisas foi em relação ao sucesso das crianças das classes populares. Ele disse que essas crianças não necessariamente terão uma vida como a de seus pais. Disse que há uma posição social objetiva, mas há também o que as pessoas fazem em suas cabeças com essa posição social objetiva, porque existe também uma posição social subjetiva, e aí entra o papel da escola em mostrar possibilidades, caminhos, dar acesso à um outro mundo possível. Deu o exemplo de Luiz Inácio Lula da Silva (ex-presidente Lula), como uma pessoa que foi muito além de suas origens. Charlot deixou claro que sua abordagem é antropológica. Defende que o ser humano nasce incompleto, inacabado e que pela sua condição humana tem capacidade para criar o que precisa. O ser humano é humano, social e singular ao mesmo tempo. “Quanto mais social, mais sou eu mesmo, mais eu me desenvolvo enquanto singularidade”.

Diz ainda que só aprende quem se mobiliza intelectualmente. A mobilização é um movimento “de dentro”, ela supõe desejo (psicanaliticamente falando). Por isso Charlot justifica que não gosta da palavra “motivação”, pois é algo de fora pra dentro e, dentro da visão que ele acredita, motivação não funciona. O desejo pode investir em objetos de saber.

Na escola se aprende a não gostar do que se ensina na escola”. A professora tem que transformar crianças em alunos. Antigamente, a escola recebia alunos (pois toda a formação anterior era feita na família). Agora a escola recebe crianças, todo o trabalho que antigamente era feito no âmbito familiar, agora a escola precisa fazer. E completa que a escola democrática é aquela que faz o que a família não consegue fazer.

Na caracterização de alunos, relata que há alunos que aprendem com qualquer método (os considerados CDF´s). Há alunos que vão à escola para mudar a vida (em exemplo pode ser um bom aluno de meio popular)- que ele chama de voluntarismo. Há alunos aos quais a escola não oferece aventura intelectual (diz que as vezes até a professora acha chato o que ela ensina...). E há alunos que não vão à escola para aprender, vão à escola para passar de ano e se formar. Fazem as atividades apenas para passar de ano, mais nada. Nesse ponto, eu questionei o que fazemos então com alunos que frequentam escolas organizadas por ciclos, onde não há reprovação (a não ser ao fim do ciclo), o que fazer para que eles se sintam “mobilizados intelectualmente”? Charlot respondeu que esse é um problema, principalmente porque teoricamente as escolas são concebidas em ciclo, mas suas práticas continuam “seriadas”. Enquanto elas não funcionarem na lógica do ciclo e com práticas de ciclo, isso continuará sendo um problema.

Charlot ressalta que os alunos funcionam em uma lógica profundamente diferente da nossa. É preciso conhecê-los, saber o que pensam sobre as coisas, sobre a escola.

Entre outras coisas, Charlot comentou sobre algumas entrevistas que fez com crianças na periferia de Paris e também em periferias de algumas cidades no Brasil. Ele disse que a palavra “refletir” só aparecia relacionada à coisas fora da escola, sobre a vida, por exemplo. Nada na escola relacionava-se com o “refletir”. Isso é um problema. Na escola os alunos aprendem a obedecer. Existe uma “lógica da tarefa”. As crianças acham que estudar é fazer o que a professora disse que elas tem que fazer. Nesse sentido, a lógica do construtivismo nunca foi tão necessária na educação. E indaga: “mas como fazer isso amanhã na sala de aula”? A questão é: “o que é possível fazer”?

Todo mundo quer que os alunos pensem, mas ninguém os ensina a pensar”.

Charlot diz que, em relação as crianças de camadas populares que acabam por ser bem sucedidas inclusive na idade adulta, devem lidar ao mesmo tempo com o sucesso e com o sofrimento de se diferenciar dos seus familiares. É um sofrimento tanto da pessoa, quanto da família. Há uma tripla autorização: a de que o filho será diferentes dos pais, a de que você é diferente dos pais e aceitar que seus pais são diferentes (aceitá-los como eles são). É mais ou menos assim “ganha o mundo e perde a família” como referencial.

Pra finalizar, Charlot coloca a questão da sociedade contemporânea, suas contradições e desafios e que a escola precisa trabalhar com atividades que façam sentido e que sejam fontes de saber. Diz ainda que o conhecimento é sempre resposta à um questionamento. Tem que dar espaço para a criança falar. Temos que saber o que elas pensam sobre o que ensinamos.

Acredito eu que todos esses pontos “pincelados” por Charlot em sua fala nos levam a refletir sobre vários e diferentes aspectos da educação. O que ficou mais forte pra mim foi a questão da construção do sentido no saber e que esse sentido vem “de dentro” e não o contrário. Dessa forma, faz-se necessário repensar as práticas pedagógicas e tentar trazer os alunos para o centro da situação educacional, procurando ouvi-los, saber o que pensam e colocá-los em situações onde eles possam construir questionamentos e buscar respostas. Buscar algo que faça sentido.

E vocês, o que acham?

Edna Telles








sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Podem as tecnologias digitais contribuir para um melhor desenvolvimento da educação?


Um olhar crítico

(Texto de Maria Teresa Quiroz Velasco)
Alessandro Baricco empreende uma profunda análise da leitura, das novas linguagens e de um mundo bárbaro que nos assola e põe em risco a humanidade. Sustenta que hoje em dia a leitura está em crise e que quem compra livros não é, na realidade, leitor, mas personagens presos ao mercado. Observa que um número muito significativo de livros vendidos provém de filmes, novelas escritas por personagens da TV ou gente famosa, temas conhecidos ou auto-ajuda.

Baricco é muito crítico com a web porque consagra novos valores frente ao conhecimento e a informação. A qualidade tem sido redefinida, assim como a ideia do que é importante e o que não é. O significado mudou da seqüência do conhecimento, para seu movimento. Anteriormente, completa Baricco, a compreensão e o conhecimento estavam na profundidade dos assuntos, em sua sequencia. Agora se encontra em sua trajetória, que não está na profundidade e sim na superfície. “Navegar na rede. Nunca foram mais precisos os nomes. Superficie em vez de profundidade, viagem em vez de imersão, jogo em vez de sofrimento” (BARICCO, 2008: 111). Baricco assinala que se “surfa” na crista da onda, a qual o espetáculo predomina.

O autor alerta sobre a necessidade de se empreender uma política cultural que preserve a inteligência do azar do mercado puro e simples, porque a formação coletiva passa hoje em dia pela escola e pela televisão.

Podem as tecnologias digitais contribuir para um melhor desenvolvimento da educação?

A pergunta e sua resposta são fundamentais ao longo de todo esse texto no qual o esforço central está em materializar o uso de tecnologias digitais com fins educativos. Jesús Martín-Barbero y Germán Rey sustentam que hoje a maioria das pessoas não se incorporam à modernidade pelos livros e sim pelos gêneros e narrativas, linguagens e saberes da indústria, pela experiência audiovisual e pela internet. Se produzem profundas transformações no cotidiano, especialmente entre as novas gerações, que consomem a pluralidade de textos e escritos que circulam hoje. Também se constroem complexas relações entre a oralidade que perdura como experiência cultural primária da maioria e a visualidade tecnológica (JESÚS MARTÍN-BARBERO Y GERMAN REY, 1999).

Vivemos desconcertantes paradoxos na América Latina: por um lado somos testemunhas da abundância comunicativa, a ampla disponibilidade de informação e a explosão de imagens e de outro, uma deterioração da educação formal. Urge a necessidade de mudarmos de um modelo pedagógico pautado na transmissão de conhecimentos para um outro que se organize e se  fundamente na interatividade. Quais são as razões para essa mudança, de onde surgem e que exigências expressa? Se trata de caminhar de um modelo linear e centralizado para outro descentralizado e plural, coerente com as mudanças ocorridas na sociedade desde o fim do século XX, porém, em grande medida pelas exigências comunicacionais e cognitivas que nos sugerem os jovens. Manter o interesse e a atenção desses jovens é complexo e difícil. Trata-se de uma geração para a qual os modelos lineares e argumentativos tradicionais não fazem sentido. Os mais jovens se desenvolvem melhor que seus mestres numa variedade de conexões, relacionando a informação com a comunicação, sem separá-las, diferente do que os adultos fazem. Os mais jovens têm competencias para modificar conteúdos, para produzí-los e são espertos em compartilhá-los.

Por esses motivos, as decisões políticas no setor educacional e as políticas de gestão no interior das escolas são insuficientes porque não atendem ao sentido das mudanças relacionadas com a função de educar, limitando-se a investir em máquinas e tecnologias informáticas. O problema não pode reduzir-se a treinar professores para majenar computadores ou navegar na internet. Se trata de trabalhar e preparar os docentes para que compreendam o sentido da formação de seus estudantes como futuros cidadãos, como sujeitos autônomos com capacidades para discernir, argumentar e criar.

O brasileiro Marco Silva define o conceito de interatividade e manifesta:

“(...) a interatividade é um conceito da comunicação e não da informática. De fato, a interatividade é uma qualidade semiótica intrínseca das tecnologias informáticas, as quais permitem ao usuário operar com recursos de conexão e de navegação em um campo de referências multidirecionadas, permitindo entrar, manipular e modificar. O termo pode ser empregado para significar a comunicação entre interlocutores humanos e entre humanos e máquinas. Dado que o professor deve ser um comunicador, pode sintonizar a nova comunicação com a aula...” (p.16)

Nesse sentido, a educação interativa supõe, o que há muitos anos atrás Paulo Freire chamou de “educação dialógica”, não do professor para o aluno, mas do professor com o aluno. Como o nome indica, são relações de diálogo horizontais, em que o mestre deixa de “controlar” o conhecimento e acompanha os processos de exploração e reflexão. É claro que uma aula não será interativa porque tem equipamentos tecnológicos digitais, se nela permanecer a pedagogia da transmissão.

Texto base: VELASCO, Maria Teresa Quiroz. Tecnologias digitais: para a educação e a comunicação. In: CURY, Lucilene (org). Tecnologias digitais nas interfaces da comunicação/educação: desafios e perspectivas. 1 ed. – Curitiba, PR: CRV, 2012.

Referências:
BARICCO, A. Los bárbaros. Ensayo sobre la mutación. Barcelona: Anagrama. 2008.
FREIRE, Paulo. La importancia de leer y el proceso de liberación. México: siglo XXI.1984.
MARTÍN-BARBERO, Jesús y Germán Rey. Los ejercicios del ver. Hegemonía audiovisual y ficción televisiva. Barcelona, Gedisa. 1999.
SILVA, Marco. Educación interactiva. Enseñanza y aprendizaje presencial y online. Barcelona: Gedisa. 2005.

Fonte da imagem: http://tecnologianaliteratura.blogspot.com.br/ (acesso em 08/09/2012, às 01h21)

domingo, 2 de setembro de 2012

Nossos jovens em meio a imagens, sons e telas


(Maria Teresa Quiroz Velasco)
Nas plataformas digitais se multiplicam dia a dia as formas de inter-relação entre os jovens, e a educação e as aprendizagens não deveriam estar alheias a esses espaços.

Resulta substancial identificar os chamados “nativos digitais” e sua relação com os “imigrantes digitais” para compreender o mundo dos jovens e as fraturas geracionais que se expressam na família, na escola e na vida cotidiana.

Os nativos digitais passam muito tempo em contextos digitais, intercambiando correios eletrônicos, arquivos digitais e mensagens curtas de texto por celular, nos “chats” ou em redes sociais. Desde muito jovens começam a usar esses meios e estão habituados ao trabalho colaborativo através de intermediários digitais e não do papel e da impressão. Lêem menos, vêem mais TV e em geral consomem muitas imagens.

Nesse sentido, a escola e os sistemas de educação dificilmente podem competir com a televisão, e menos ainda com as redes, os jogos e os contextos participativos (PISCITELLI, 2008;2009). Estamos diante de um novo modelo porque o conhecimento da realidade dos mais jovens passa, em boa medida, por todos esses meios (IGARZA, 2008).

Não obstante, e apesar das oposições entre nativos e imigrantes digitais, as diferenças geracionais seguem atravessadas pelas distâncias sócio-econômicas e culturais. A desigualdade não pode entender-se nem reduzir-se à condições materiais e de recursos técnicos, mas a um acesso desigual a novos recursos de individuação, estreitamente vinculados aos conhecimentos facilitados pela digitalização. Pode haver muitas crianças ou adolescentes nativos digitais pela idade, mas que pela desigualdade educativa ou por pertencer a um universo familiar com muitas carências não adquirem as competências necessárias.

São iguais as crianças e adolescentes cujas famílias lhes estimulam a interpretação de imagens, o exercício da opinião e o desenvolvimento de múltiplas capacidades e aquelas crianças e adolescentes de origem familiar urbanas marginalizadas e rurais, onde a violência familiar é mais freqüente, o estímulo intelectual menor e a  educação dos pais mais escassa?

Definitivamente não é um assunto meramente tecnológico. Alberto Melucci sustenta que a informação é um recurso simbólico e reflexivo, porém não se trata de qualquer bem, porque para que a informação seja produzida e intercambiada se requer capacidades de simbolização e decodificação. Sustenta que “o conhecimento é cada vez menos conhecimento de conteúdos e cada vez mais capacidade de codificar e decodificar mensagens” (MELUCCI, 1999). Os conteúdos perderam o valor central que tinham na educação tradicional, por isso, hoje em dia, interessa menos “o que”, e sim o “como”.

Para os mais jovens, o essencial de sua relação com a tecnologia está na possibilidade de estabelecer vínculos ao longo de todo o dia. A tradicional separação entre pensar e sentir, a razão e a emoção, instauradas pela educação na família e consagradas pela escola, tem dado espaço a outras modalidades de relação. Essa ideia vai ao encontro do que Roberto Igarza diz quando sustenta que, para os mais jovens, “ser é, antes de tudo, comunicar”, porque desfrutam, em  seu tempo ócio “em baixar e escutar música em formatos digitais, organizar álbuns de fotos acessíveis através da Internet para que seus amigos possam ver e comentar, assistir vídeos curtos em sites como YouTube e chatear, ser parte das redes sociais, ao mesmo tempo em que fazem outras várias atividades simultaneamente. A televisão já não lhes interessa tanto (...) Necessitam de um elevado nível de (hiper)atividade, o que está muito bem contextualizado no modelo comunicativo da era digital” (IGARZA, 2008).

Carlos Scolari acrescenta que estamos frente a mudanças cognitivas nas novas gerações, as quais tem sido formadas em outras experiências midiáticas e perceptivas. A cognição de uma criança que passa o tempo em meio a telas interativas e narrativas transmidiáticas é diferente daquela que passa seu tempo em meio a TV ou com os livros. Nesse sentido, a escola é a que mais sofre porque se encontra, mais uma vez, frente a mudanças que não consegue conter e nem acompanhar as crianças e adolescentes.

Mas, sem dúvida, é equivocado pensar que os nativos digitais fazem um uso amplo e profundo da tecnologia.

Há autores que optam por examinar de forma crítica os chamados “nativos digitais”, como o inglês David Buckingham, que examina a visão complacente de muitos autores que falam sobre as possibilidades ilimitadas da tecnologia e sua apropriação por parte dos mais jovens: “...a realidade é mais complexa. A visão otimista dos jovens como uma “geração digital” livre e potencializada automaticamente em virtude de suas experiências com as novas tecnologias – não passa de ilusão. Essa concepção não leva em conta algumas continuidades fundamentais, assim como importantes diferenças e desigualdades, nas experiências culturais dos jovens (...) Há uma diferença significativa, cada dia mais profunda, entre a experiência da maior parte dos jovens com a tecnologia fora da escola e seu uso dentro da escola. E essa “nova exclusão digital” é a que a política e a prática educativa devem abordar agora com urgência” (BUCKINGHAM, 2008: 110).

Acrescenta Buckingham que muitas vezes se ocultam interesses de mercado ao apresentar-se as crianças e jovens como uma geração dotada de “fluidez tecnológica”. Os nativos digitais tem um estilo de aprendizagem pautado na interação e no maior valor à imagens do que a palavras, assim como ao valor à velocidade. Apesar de terem deixado para trás o modelo sequencial e o discurso de seus pais e professores, resulta equivocado “endeusar” as crianças e jovens pela sua capacidade de informar-se, inovar e criar conteúdos. Há muito poucos indícios de que usem a Internet para conectar-se com o mundo. A usam melhor para conectar-se a seus pares mais próximos e para estender as relações já existentes. (BUCKINGHAM, 2008: 110-124).
Texto base:
VELASCO, Maria Teresa Quiroz. Tecnologias digitais: para a educação e a comunicação. In: CURY, Lucilene (org). Tecnologias digitais nas interfaces da comunicação/educação: desafios e perspectivas. 1 ed. – Curitiba, PR: CRV, 2012.

Referências citadas no texto:

BUCKINGHAM, D. Más Allá de la tecnología. Aprendizaje infantil en la era de la cultura digital. Buenos Aires: Manantial, 2008.

IGARZA, R. Nuevos médios. Estratégias de convergência. Buenos Aires: La Crujía. 2008.

MELUCCI, A. Esfera pública y democracia en la era de la información. Metapolítica, no.9. 1999.

PISCITELLI, A. Nativos digitales. Revista contratexto 6: http;///.ulima.edu.pe/Revistas/contratexto. 2008.

PISCITELLI, A. Nativos digitales. Dieta cognitiva, inteligência colectiva y arquitecturas de la participación. Buenos Aires: Santillana. 2009.

Fonte da imagem:  http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=895 (acesso em 02/09/2012, as 20h16)