segunda-feira, 22 de junho de 2015

Igualdade de Gênero  X Ideologia de Gênero


Essa é uma questão muito importante para esclarecer uma situação complexa, onde setores conservadores da sociedade criaram um cenário confuso e difundiram um uso completamente equivocado sobre gênero em meio à polissemia de seus significados.

A discussão do Plano Nacional de Educação (PNE), que define as metas e as estratégias da educação brasileira para os próximos dez anos e orienta as políticas educacionais em diferentes níveis, foi polêmica e acirrada no que diz respeito às questões de gênero e significou um retrocesso no que tange à garantia de direitos à uma parcela significativa da população, ao retirar de seu texto a garantia à igualdade de gênero e orientação sexual, alegando que havia ali a tentativa da difusão de uma “ideologia de gênero” que, no entender desse grupo conservador significaria a destruição dos valores e morais, da família dita tradicional e o avanço das pautas LGBT, entre elas a diversidade sexual.

Agora, a polêmica vem novamente à tona nas discussões sobre os Planos Estaduais e Municipais de Educação, e nesse momento faz-se necessário ouvir todos os lados, ter cautela, criticidade e não simplificar uma discussão tão complexa.

Um dos pontos principais é exatamente esse: diferenciar Igualdade de gênero de ideologia de gênero.
Para isso, é importante esclarecer primeiramente o que é gênero.

Gênero é uma categoria teórica criada na segunda metade do século XX para designar as construções sociais sobre o feminino e o masculino. Nesse sentido, Gênero pode ser entendido como uma construção social, histórica, cultural e dinâmica, baseada em relações de poder presentes na sociedade.  Não é algo que “nasce” com a pessoa, não é algo determinado pela biologia.  É um conceito complexo: seus significados se dão na intersecção com outras categorias de análise, como classe, raça/etnia, sexo, idade, religião, nos remetendo à muitas possibilidades de ser homem ou mulher, ou seja, à diferentes masculinidades e feminilidades, no plural. Nesse cenário, não dá para dizer que “as mulheres são todas iguais” ou que os “homens são todos iguais”, pois nos deparamos com uma enorme diversidade de significados, formas de ser e estar no mundo e na sociedade e inclusive, diferentes formas de lidar e sentir a sexualidade. Como os significados de gênero presentes em nossa sociedade são pautados em relações de poder, o que vemos é a difusão de um modelo de masculino e de feminino considerado como “norma”, que denominamos masculinidade ou feminilidade hegemônica, nas palavras da pesquisadora australiana Raywel Connel. Essa ideia baseia-se, geralmente, no determinismo biológico, e na construção das diferenças de forma hierarquizada e gera desigualdades e opressões. E é nesse ponto que os grupos conservadores se apoiam para criticar a construção da igualdade de gênero, porque trazer à tona a discussão de gênero significa mostrar que existem diferenças significativas entre as mulheres, entre os homens, que existem diferentes masculinidades e feminilidades, diferentes formas de expressar a afetividade, a sexualidade, as característica de gênero, denunciam o desrespeito à diversidade e pregam a igualdade e o respeito à dignidade humana e as diferenças.

Portanto, não dá pra falar em “ideologia de gênero” porque gênero não é uma ideologia. Muito pelo contrário, trazer a discussão de gênero é uma forma de desconstruir uma ideologia baseada na natureza e na biologia, desconstruir a desigualdade entre homens e mulheres em nossa sociedade e, inclusive, desconstruir as desigualdades entre os grupos de mulheres entre si e entre os grupos de homens.

Nesse sentido, as desigualdades existentes em nossa sociedade são muitas: a violência contra as mulheres em casa e nas ruas, as imensas desigualdades no mercado de trabalho, principalmente em relação à diferenças salariais e a discriminação pautada no sexo, ocupações informais e precárias, a baixa representação política das mulheres, os modelos de beleza impostos pela mídia, desigualdades entre mulheres de acordo com a renda, raça e etnia e local de moradia (rural e urbano), com destaque para a situação das mulheres negras e indígenas, desigualdades pautadas na orientação sexual e na identificação de gênero, independente do sexo, e situações de desigualdade que atingem, além das mulheres, as pessoas negras e de “minorias” étnico-raciais, as pessoas de outras regiões e do campo, de determinadas religiões, bem como pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), impedindo que cidadãos e cidadãs exerçam seus plenos direitos.

E para garantir direitos à todos os cidadãos e cidadãs, é que falamos e Igualdade de Gênero, que deve ser um valor democrático.

Então, não existe uma “ideologia de gênero”, termo criado – nesse contexto -  para confundir a cabeça das pessoas e sim um processo de busca pela igualdade de gênero, onde todas e todos, independente de seu sexo, gênero ou orientação sexual, tenham seus direitos garantidos, entre eles, o de pleno exercício de sua cidadania e pela erradicação da desigualdade baseada nas características de gênero.

Nesse sentido, vale lembrar que o contrário de igualdade não é a diferença. O contrário da igualdade é a desigualdade e é na luta contra ela que deve-se defender a igualdade de gênero.

O que é preciso ser implantando nas escolas?

O que é preciso ser implantado nas escolas é nada mais, nada menos que se cumpra a sua função de instituição pública, que deve servir à população, que é diversa sob diferentes aspectos, entre eles, o de gênero. Portanto, a escola deve pautar-se num trabalho que busque a Igualdade de gênero.

Isso porque a Educação é um direito de todos e todas e o Estado precisa garantir a oferta de uma educação não discriminatória e sem preconceitos, uma Educação verdadeiramente inclusiva, que construa uma cultura da diversidade, que valorize as diferenças, a pluralidade cultural e os diferentes significados presentes no espaço escolar, que trabalhe visando a garantia de Direitos, entre eles os direitos de Aprendizagem, que perpassam as relações sociais e de gênero presentes na escola, uma Educação para a democracia, que vise a construção da cidadania, ou seja, pessoas adultas autônomas, capazes de compreender a realidade e de transformar o mundo num lugar melhor para todas e todos.

A escola pública é o espaço do plural, das diferenças, da diversidade. E que bom que é assim!  Nas escolas aprendemos a respeitar as diferenças, é onde nos deparamos com outras pessoas que pensam, amam, agem e sentem diferente da gente e onde aprendemos a respeitar os outros.

O preconceito, que gera violência, bullyng, causa a evasão escolar e com ela, o insucesso e a impossibilidade de viver a sua cidadania.

Por esses motivos é tão importante a discussão sobre relações de gênero e igualdade de gênero nas escola. Se queremos uma sociedade mais justa e igualitária, é sem dúvida na escola que deve-se investir os esforços. A chave para reverter o quadro desolador de desigualdade é a educação. E atitudes preconceituosas e discriminatórias somente podem ser mudadas por meio da educação – em todos os níveis e modalidades – em direitos humanos e de respeito à diversidade humana, em todas suas manifestações.


terça-feira, 3 de junho de 2014

Trechos da palestra do professor Mário Sérgio Cortella na Feira Educar/Educador 2014

Fonte da imagem: http://www.compromissocampinas.org.br/a-escola-passou-a-ser-vista-como-um-espaco-de-salvacao/

Esse é um texto elaborado a partir das minhas anotações da palestra do professor Mário Sérgio Cortela. Além de anotações minhas, representa aquilo que consegui captar, muitas coisas que ele disse ficaram “de fora”. Mas acredito que vale a pena compartilhar. Ouvir, ler e conversar sobre ideias e reflexões acerca da Educação é sempre bom. De antemão deixo claro que esse é o meu ponto de vista. E o texto não terá uma forma linear. Nem sempre precisa ter. Apresentar-se-á em fragmentos. São pequenas falas transcritas. Espero que faça pensar a respeito e que cada um/a possa chegar às suas próprias "conclusões". Vamos lá:

O professor Mário Sérgio iniciou dizendo algo que concordo plenamente:

 “qualidade para poucos não é qualidade, é privilégio” (trouxe alguns dados sobre o acesso à escola nos diferentes níveis no Brasil). E prosseguiu: a qualidade tem que ser qualidade social. Se alguém não está, não é qualidade.

E durante a explanação, soltou algumas “pérolas” para refletirmos. Lá vai:

“A minha liberdade não acaba quando começa a do outro. A minha liberdade acaba quando acaba a do outro”.

“Se não tivermos todas e todos na escola, teremos uma fratura ética”. Por isso a questão: a escola é justa? Como instituição, ainda não.

“Humildade é diferente de subserviência”.

“Reconhecer as diferenças não significa elogiar as desigualdades”.
“Homens e mulheres são diferentes, mas não precisam ser desiguais”.

“Gente grande de verdade, sabe que é pequena e por isso cresce. Gente muito pequena, acha que é grande e para crescer, diminui o outro”.

“Ética é decisão e escolha”.

“Democracia não é ausência de ordem. Democracia é ausência de opressão”.

“O mundo que nós vamos deixar para nossos filhos depende muito dos filhos que nós vamos deixar para esse mundo”.

“Escolarização não é Educação. Ela é uma parte da Educação”.

“É preciso humildade para aprender o que a gente não sabe e coragem para enfrentar o que tem que ser enfrentado, olhando para dentro de nós. É a coragem de enfrentar o medo, não é ausência de medo. Ausência de medo é inconsequência”.

“Cinismo é comportar-se de modo conveniente. Por exemplo, o professor que trabalha na rede pública e na rede privada e age diferente, trabalha melhor na escola privada. Isso é falta de vergonha na cara. Se acha que ganha pouco, então desista.”

É preciso esperança. Do verbo esperançar e não do verbo esperar”.

“A tragédia não é quando um homem morre, é quando morre algo nele quando ele ainda está vivo”.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Palestra do professor Antônio Nóvoa na Feira Educar/Educador 2014

Fonte da imagem: http://www.educar.editorasegmento.com.br/materia/9303/%E2%80%9Ca-escola-que-conhecemos-vai-desaparecer%E2%80%9D

No dia 23 de maio de 2014, na Feira Educar/Educador, que ocorreu no Centro de Exposições Imigrantes, das14h30 às 16h00 aconteceu uma palestra maravilhosa com o professor Antônio Nóvoa, da Universidade de Lisboa, Portugal. O título de sua palestra foi “A construção coletiva do projeto educativo da escola”. Ele anunciou que faria uma fala breve e simples, uma introdução ao assunto, já que o tempo era curto e que essa fala consistiria na análise de três pontos: aprendizagem, ambientes escolares e cidade educadora. Para Nóvoa, esses pontos poderiam ser analisados por inúmeros pontos de vista, dada a sua complexidade, mas que sua escolha seria por discutir a questão das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) na educação. Transcrevo abaixo, a sua fala:

“Debaixo de nossos olhos e perante uma certa indiferença de nossa parte, estão acontecendo três revoluções: na aprendizagem, nos ambientes escolares e na cidade educadora”.

1. Revolução na aprendizagem

Há muitas maneiras de entrar nessa questão. É preciso olhar para a revolução digital. As tecnologias não resolvem nossos problemas, mas tentarei explicar uma mudança histórica que está acontecendo. Não a tecnologia em si, mas o que ela tem feito com nossa forma de aprender. A escrita foi a revolução que nos trouxe para a história. Depois veio a imprensa (com Gutemberg) que nos permitiu a escola e a cultura escolar do modo como a conhecemos. Nós vivemos hoje uma revolução digital, é algo imenso sobre o qual precisamos refletir.
A principal invenção tecnológica, no campo do ensino, nos últimos dois séculos foi o quadro negro (a lousa).

O quadro negro tem 4 principais características:

1 – É fixo, define um espaço, delimita
2 – É um elemento vazio, é preciso que alguém escreva nele alguma coisa.
3 – Por definição, a lousa obriga uma comunicação vertical, do professor para o aluno.
4 – É um instrumento que é utilizado coletivamente.

Agora, vejamos as 4 principais características de um Iphone:

1 – É um instrumento móvel
2 – Não é vazio, é cheio
3 – Implica/induz uma comunicação horizontal
4 – Pode ser utilizado no plano individual

Então, vivemos hoje grandes transformações:
do Fixo para o móvel
do vazio para o cheio
do vertical para o horizontal
do coletivo para o individual

Vivemos o limiar de uma mudança que nos permitirá finalmente concretizar muitas coisas que temos dito nos últimos 100 anos, mas que não conseguimos fazer.

O que nos move e nos faz sonhar há 100 anos?
  • autonomia dos educandos
  • pedagogia da pesquisa
  • autoformação
  • interação
  • aprender fazendo
  • aprender relacionando-se
  • aprender comunicando-se
  • métodos ativos
  • criação
  • trabalho em grupo
  • diferenciação pedagógica
  • individualização do ensino

Em relação a tudo isso, temos dito muito e temos feito pouco. Nós tínhamos um ideário pedagógico, mas não tínhamos uma estrutura pedagógica para que isso fosse concretizado. Nós, educadores humanistas, sempre desconfiamos e fomos críticos das tecnologias e, por ironia do destino, talvez estejamos vivendo uma possibilidade de construção de uma escola onde os dispositivos/instrumentos para concretizar nosso ideário esteja no uso dessas tecnologias. O que conta, não é a tecnologia em si e sim os seus usos, uma aprendizagem que liberta, que inclui, a relação com o conhecimento, a cultura. Precisamos usar a tecnologia para concretizar esses objetivos.

2. Revolução nos ambientes escolares

E o que apareceu ao lado do quadro negro? O desenho do plano de uma sala de aula. A ideia de ensinar a muitos como se fossem um só. Isso foi uma enorme revolução, ensinar a muitos ao invés de ensinar um por um. A partir daí, todas as salas de aula, nos últimos 150 anos e no mundo todo, são assim (com raras exceções). A escola nasceu como normalização. Não é a toa que a formação de professores era feita em escolas normais, pois se destinava a normatizar o ensino. Nós nunca tivemos escolas, nós tivemos salas de aula. Sempre pensamos a escola como o somatório de salas de aula.
Essa organização do espaço vai mudar. Haverá uma revolução no ambiente escolar. Uma lógica colaborativa, de construção de redes, ambientes diversos, de convivência, de aprendizagem. Nóvoa citou um autor chamado Sérgio Niza que diz “nós professores não somos uma corporação, nós somos um colégio colaborante, no qual em comum, trabalhamos”.
O século XXI será um conjunto de professores trabalhando em rede. Haverá diversidade de espaços, multiplicidade de espaços. A escola terá uma configuração muito diferente do que conhecemos hoje. A ideia ´de construção coletiva de um projeto educativo para a escola, em colaboração.
Na linguagem normal, escola é sinônimo de prédio escolar. A escola vai se desvincular do ponto de vista físico, estará pautada na ideia de colaboração, para uma dimensão de rede. E o projeto educativo é que dará sentido a essa nova ideia de escola. O professor será um organizador do trabalho, dos estudos, do conhecimento. Vai deixar de existir escolas tal como conhecemos hoje e isso vai acontecer muito mais rápido do que imaginamos. E a Educação terá um papel muito mais importante do que já tem hoje.
Nós todos temos uma enorme chance, nós somos contemporâneos, vai ser em nossas vidas que veremos essas mudanças. Citou a “pedagogia da esperança” de Paulo Freire e disse que temos uma oportunidade extraordinária de fazer essa mudança, mesmo com os medos e as dúvidas.

3. Revolução na “cidade educadora”

Quando a escola do quadro negro nasceu, as escolas eram pequenos edifícios no meio do nada. Havia poucas cidades, a escola vivia numa espécie de deserto, e de um deserto cultural também. A escola teve que trabalhar contra esse deserto que existia à sua volta [nesse momento, Nóvoa usou a imagem de uma construção pequena no meio do nada]. E nós continuamos a fazer de conta que a escola ainda vive nesse deserto.
[Nesse momento Nóvoa mostra a imagem de uma grande metrópole com todas as sua luzes acesas] e diz: é preciso investir nas grandes possibilidades educativas. Citou Paulo Freire e a cidade educadora. Esta escola transbordante, que quer fazer tudo, excessiva...precisamos de uma escola que entende que há mais educação para além da escola.
  • conhecimento
  • redes locais
  • centros culturais
  • naves do conhecimento
  • instituições
  • famílias
  • igrejas
  • centros de ciências
  • etc, etc, etc...

Resumindo a terceira revolução: chegou o tempo de pensar a educação para além da escola, de compreender todas as dimensões educativas que existem na cidade, na sociedade. Citou Gaston Bachelard: “o nosso problema não é transformar o mundo, porque ele transformar-se-á de qualquer maneira, o nosso problema é o sentido, é o rumo dessa mudança”.
É preciso conversar a respeito, refletir a respeito. É preciso construir a nossa versão dos fatos.
Nada substitui um bom professor, mas este professor já não é um professor individual, está em rede, assumindo uma responsabilidade coletiva, a construção coletiva do projeto educativo da escola.
E finaliza: “esta é a minha visão dos fatos, minhas dúvidas e minha compreensão. Peço que vivam esse momento com o espírito aberto” e cita o texto de Guimarães Rosa “a terceira margem do rio”, dizendo: “a terceira margem do rio é o próprio rio, o percurso, o caminho, o curso das águas”.




segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Criança, menina, mulher e negra



Menina ainda, pequena, criança, negra
Não entendia porque sua cor a diferenciaria
E na escola chorava porque a sua professora,
não a beijava, nem a abraçava.
Estranha e dolorosa descoberta, porque a mesma professora
beijava, elogiava e abraçava suas amiguinhas
pequenas, crianças, brancas...

Dor, dor, dor
Uma dor que não compreendia
Não conseguia se defender...
E perguntava pra sua mãe o que tinha que fazer pra ficar branca
E então conseguir o amor de tanta gente
amigos, professora, até parente.
E ficava triste porque ninguém queria brincar com a boneca que tinha a sua cor
E aquelas princesas eram todas brancas, loiras e de olhos azuis
Ela queria ser como elas e também como aquelas moças da TV
Cadê as apresentadoras negras? Cadê?
Assim ia aprendendo que o belo, ao qual todos gostavam, não tinha nada a ver com ela...
Não se identificava, chorava...

Maior um pouco, já no ensino fundamental
Ouviu certa vez, numa aula, de uma certa professora
Que a cor preta representava o pecado, as coisas ruins...
Nessa mesma escola, teve que engolir a raiva
quando outro professor, por puro preconceito, degradou sua religião, a umbanda...
E pensava: será que tudo que diz respeito a mim não presta?

Como é que se constrói um ser humano desse jeito?

Entre colegas, mais sofrimento, brigas entre as meninas, acontece...
Mas ouviu de uma delas: “sua neguinha, se enxerga, olha pra você e olha pra mim, quem é que vai levar a melhor na vida, hein?”
Revolta dobrada quando ao relatar a situação para a coordenação, ouviu: “não liga pra ela não, fica quieta e evita confusão”...
A aprendizagem da submissão é cruel, e é ressaltada quando há conivência
E a sociedade reclama da violência...

O sofrimento continuou no ensino médio, quando ao ser transferida pra uma escola particular “bacana”, descobriu-se a única negra do lugar
Era olhada de cima a baixo por colegas e certos professores
E aprendeu muito cedo que teria que provar a todos que estar ali era mérito seu
Ela era boa, era mulher e negra, mas era boa...
Conheceu um rapaz e se apaixonou, mas a família dele não a aceitou: “onde já se viu namorar uma moça negra, meu filho? Não é a gente não, pensa bem, são os outros, meu bem...”
E tão logo passou por uma desilusão amorosa...
a essa altura, ela mesma já se achava feia e não merecedora do amor de ninguém
E ainda ouvia na escola que vivemos em uma democracia racial...


Entre altos e baixos, mulher feita já
Enfrentou o preconceito no mercado de trabalho
Sua aparência não era bem à que as empresas queriam, apesar da sua formação
E quando enfim, conseguiu um emprego, descobriu que como mulher seu salário era bem menor
E que como negra, sua posição também era menor
Revolta novamente ao descobrir as estatísticas e ao deparar-se com gente que não sente na pele literalmente todo esse preconceito e fala mal das cotas para negros
Ela mesma começou a pensar nas companheiras de negritude que não tiveram a mesma chance que ela, que não fizeram um ensino médio como o dela, numa escola “bacana”, que chance teriam?
Como concorreriam? Não, isso tudo é muito desleal.
Essa mulher defendia as ações afirmativas, as mulheres, as pessoas negras onde que ela fosse.

Mas um dia chegou em casa e viu uma movimentação estranha...
Muita gente na frente de casa, seu coração gelou na hora...
Vieram em sua direção e pediram para que tivesse calma, que ela teria que ser forte...
“O que foi que aconteceu? Foi meu filho?”
“Nãaaaaaao!!!!!!!!”
E agora apenas choro e desespero.
Seu filho fora assassinado por policiais, confundido com um ladrão...
Sabe como é, negro nesse país...

E desacreditada da justiça
Cansada de violência
revivendo um filme que passava em sua cabeça...
revivendo tudo o que sofreu na infância e juventude...
Não aguentou...
E se suicidou.

Edna Telles



Fonte da imagem: http://cristianesobral.blogspot.com.br/2012/09/a-gente-so-pode-ser-aquilo-que-e-conto.html

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O Projeto Político Pedagógico da escola: algumas considerações (Parte I)

O que é Projeto Político Pedagógico da escola? Alguma vez você já se deparou com essa pergunta? Como você a responderia? Aprendeu na Faculdade de Pedagogia? Você conhece o Projeto Político Pedagógico de sua escola? Participou de sua elaboração?

O Projeto Político Pedagógico da escola, mais conhecido como PPP, pode ser denominado de Projeto Pedagógico, Projeto da escola, entre outras coisas. Qualquer que seja a denominação, está implícita na ideia de projeto a ação de planejar, buscar um rumo, uma direção de forma intencional.

A dimensão política traduz pensamento e ação: exprime uma visão de mundo, de sociedade, de educação, de profissional e de aluno/a que se deseja. Tomar decisões, fazer escolhas e executar ações são atos políticos. Dependendo da concepção de Educação e Sociedade que se tem, é que se tomam decisões na escola. Toda decisão tem por trás uma concepção, não existe esse “papo” de que escola é neutra. Portanto, um Projeto Pedagógico é sempre Político, mesmo que a palavra não apareça.

Fala-se em dimensão pedagógica porque nela está a possibilidade de tornar real a intenção da escola, ação para cumprimento de propósitos que passam pela formação do ser humano participativo, compromissado, crítico e criativo. Que ser humano queremos formar é a primeira questão a se fazer.

A elaboração de um Projeto Político Pedagógico envolve a busca de autoconhecimento e de conhecimento da realidade e seu contexto. Planejá-lo requer encontrar no coletivo da escola respostas a uma série de questionamentos: Para quê estamos aqui? O quê queremos alcançar? O que desejamos para nossos/as alunos/as? Quais ações são necessárias para alcançar aquilo que queremos? Quando? Como? Com o quê? Por quê? Com quem?

A construção do Projeto político pedagógico é a forma objetiva da escola dar sentido ao seu saber fazer enquanto instituição escolar: é a realização concreta de seus sonhos e como já dizia Moacir Gadotti, “não devemos renunciar ao nosso sonho de grande mudança, não devemos jogar no lixo nossa utopia revolucionária”.

E falando em Moacir Gadotti, em seu texto “O projeto político pedagógico da escola na perspectiva de uma educação para a cidadania”, o autor coloca uma série de questões importantes para pensarmos a elaboração do projeto da escola. Entre elas a de que a construção do Projeto da escola representa um desafio para todos/as os/as educadores/as. Isto porque não se constrói um projeto sozinho, projeto da escola deve ser coletivo, envolve conhecimento da comunidade, do contexto, dos/das alunos/as, da sociedade contemporânea, clareza da função da escola no mundo contemporâneo, e um grupo comprometido. Uma gestão escolar comprometida com os/as filhos/as de trabalhadores/as que estão na escola, comprometida com a construção de um mundo melhor.

Tenho conversado com muitos/as professores/as em diversas formações que realizo e fico muito preocupada quando ouço da maioria deles/as que não conhecem o Projeto da escola, que sabem que é um papel quase “sacralizado” guardado na direção ou coordenação, que não participaram de sua elaboração... isso também revela uma concepção de Educação. Bem autoritária, por sinal. Projeto Pedagógico da escola não é aquela pasta organizada com tabelas de funcionários e histórico da escola...estou falando de coisa bem diferente. Claro que sabemos que há a parte burocrática, as escolas devem entregar um “Plano Escolar”, o que deve constar nele varia de secretaria de educação pra secretaria de educação, mas ele não é um Projeto Político Pedagógico.

Projeto Político Pedagógico tem vida. Acontece, é flexível de acordo com as necessidades, muda às vezes. Outras não. Outras vezes muda algumas coisas apenas. Mas ele representa uma reflexão sobre a prática com olhos no futuro. Visando o sucesso dos/das alunos/as e da comunidade como um todo. Precisa de gente que goste de Educação. Como diria Hanna Arendt, de gente que ame o mundo de tal forma que se responsabilize por ele, o trazendo para as novas gerações, que, ao deparar-se com ele, também traz o novo, cria.

Outro fator relevante na construção de um PPP é o fato de que, segundo, Gadotti “cada escola é resultado de um processo de desenvolvimento de suas próprias contradições”, ou seja, não há dois Projetos iguais, não há receitas, cada escola elabora seu projeto e o coloca em prática. A pluralidade de projetos pedagógicos faz parte da história da educação da nossa época. Por isso não deve existir um padrão único que oriente a escolha dos projetos de nossas escolas. O projeto da escola depende sobretudo da ousadia dos seus agentes, da ousadia de cada escola em assumir-se como tal, partindo da cara que tem, com o seu cotidiano e seu tempo-espaço, assumindo erros e os entendendo como parte do processo, construindo junto, refletindo sobre o currículo, as ações, as aulas...

Para finalizar essa primeira parte de nossa discussão sobre PPP, peço à vocês que respondam às perguntas: a escola onde trabalho tem um Projeto Político pedagógico? Eu o conheço? As minhas ações como educador/a refletem o que se quer alcançar a partir dele? Eu participei de sua elaboração? Conto com as respostas de vocês aqui nos comentários. Volto em breve para conversar com vocês a respeito e contar uma experiência muito rica que tivemos na elaboração de um PPP em uma escola municipal de São Paulo.

Até breve!
Edna Telles















sexta-feira, 8 de março de 2013

Dia das mulheres

Não, não há nada mais que se possa fazer.
Aquela pequena menina já foi convencida pela sua criação
Que podia menos
Que sentia mais
Que brincava menos
Trabalhava mais
Brincava menos que as meninas brancas e ricas
Brincava menos que os meninos pobres como ela
Aprendeu devagarzinho ao ir à escola
Que sua fila era separada
E que ao ouvir dos colegas ao ver um menino em sua fila sem querer “credo, mulherzinha”, aprendeu bem que é vergonhoso ser menina, ser mulher.
Lá na casa dela, ao ver a mãe trabalhando muito e chegando em casa e continuando a trabalhar muito, fazendo comida, limpando a casa e lavando a roupa, verificando se todas as crianças comeram, vendo se havia lição de casa, acabada pelo cansaço enquanto seu pai descansava no sofá e de vez em quando gritava algo grosseiro, ela aprendeu a subserviência...
Quando seus professores não a convidavam a participar do grupo que desenvolvia projetos de tecnologia e a mexer com o equipamento da rádio e a ela pediam que escrevessem o programa, ela aprendeu que teria que ir para a área de humanas...
Quando seu namorado falou pra ela transar sem camisinha por amor, ela aprendeu desde mesmo antes disso, que deve ficar feliz em ter alguém que goste dela, ela assim tão sem futuro...
Quando engravidou aos 16 anos e foi deixada sozinha, pois afinal de contas, quem mandou não se cuidar? Ela aprendeu que não tem direito a decidir se quer ou não ter esse filho e que mulher pobre tem sim que querer, pois as ricas pagam aborto seguro...
Quando ela descobriu o amor com outra mulher, aprendeu que sua luta seria grande, pois para a sociedade em geral só há um jeito "certo" e "aceitável" de ter prazer: com o homem...
Quando ela estudou muito e foi procurar emprego, ela aprendeu que mulher que tem filho fica pra trás porque as empresas preferem as outras, que não faltarão por qualquer coisa, afinal de contas, ela fez o filho sozinha mesmo, não é?
Quando ela conseguiu um altíssimo cargo numa grande empresa, ela aprendeu que todo o seu trabalho, embora igual a de seus colegas homens, valia muito menos porque ela era mulher... e embora ganhasse muito dinheiro, era julgada porque não tinha tempo pra dedicação à família, aos filhos...afinal de contas, ela fez o filho sozinha mesmo, não é?
Quando ela entendeu todo o processo de exclusão sistemática e construída, ela mudou sua vida, deixou seus filhos brincarem com bonecas para aprender a cuidar de alguém e ajudar suas futuras companheiras. Ou companheiros? Começou a dividir as tarefas com todas as pessoas dentro de casa, independente do sexo sem medo de ofender ninguém, sem medo de se perder, sem medo de ficar sozinha.
Quando ficou sozinha por ter a rédea de sua vida, descobriu que existem outros homens (e porque não, outras mulheres?), que são legais e que a entendem e a vêem como gente.
E, feliz da vida, pensou que então, finalmente, poderia deixar que alguém cuidasse dela também. Mas desconfia que apesar das conquistas, ainda há muito pelo que lutar. Mas aprendeu também a não desistir, e hoje segue resisitindo.
Há sim, ainda há algo que se possa fazer.
E você, vai ficar aí parado?

Edna Telles

domingo, 2 de dezembro de 2012

III Web Currículo: Educação e Mobilidade (PUC/SP)

Nos dias 12, 13 e 14 de novembro aconteceu o "III Web Currículo: Educação e Mobilidade", na PUC/SP. Foram três dias de muita interação, troca de experiências, relatos de práticas, comunicações de pesquisas e palestras nas várias Mesas redondas sobre o uso de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) na escola. Difícil foi escolher de quais palestras participar.

Compartilho aqui as minhas anotações sobre a Palestra Inaugural, que aconteceu no dia 12 de novembro, com Juan Carlos Tedesco (considerem que são apenas anotações, portanto pode haver quebra de pensamento....mesmo assim, acho que vale a pena conferir!).


Título da Palestra inaugural: Educação, Tecnologia e Justiça Social na Sociedade do Conhecimento.
Palestrante: Prof. Dr. Juan Carlos Tedesco, Director de la sede regional del Instituto Internacional de Planificación de la Educación en Buenos Aires.
Interlocutor: Alípio Dias Casali, PUC/SP
O Palestrante Prof. Dr. Juan Carlos Tedesco inicia dizendo que a história da educação nos últimos anos é a história das reformas. Para que queremos mudar a Educação? Estamos diante de uma opção ético-política. Os sentidos da Educação no século XXI precisam estar pautados na construção de uma sociedade mais justa. É preciso colocar a discussão do uso das tecnologias nesse contexto.
Disse que há, de forma geral, uma sensação de ceticismo nas propostas de mudanças. Foram alcançados níveis de avanço interessantes em alguns aspectos, mas a insatisfação vem em relação aos níveis sociais e origem das famílias, há um determinismo social que a escola não está conseguindo mudar. Hoje temos problemas também em outras classes sociais, no sentido de desenvolver competências. Mudar a Educação é algo muito difícil, é bom aceitarmos isso para não ficarmos iludidos.
O palestrante diz que na Argentina, as mudanças curriculares (reformas) chegam apenas até a porta da sala de aula. Mudaram os currículos nos últimos 20 anos, mas se pegarmos os cadernos de sala de aula, veremos as mesmas coisas. Ou seja, mudar a Educação não é algo simples.
Descentralizar ou não? Dar autonomia ou não? Os procedimentos dependem do âmbito político. A ideia de passado está associada ao que é obsoleto. O futuro está associado à incerteza, crise ambiental, entre outras coisas. Então, uma cultura que rompe com o passado e onde o futuro é incerto, tende a concentrar-se no presente. Cultura à curto prazo. Os educadores ficam em situação de crise, mal estar docente, crise nas escolas.
Ainda há dois extremos: o fundamentalismo e o individualismo (ideia postulada pelo mercado). Diante desses dois extremos, é preciso construir uma proposta que prime por uma sociedade mais justa, viver em comunidade, construir um projeto coletivo.
Hoje, precisamos de uma educação que permita níveis de solidariedade exigidos pela sociedade. Cita Fernando Pessoa “se o coração pensasse, ele pararia”.
O palestrante diz que o excluído não é necessário do ponto de vista produtivo. Nesse sentido, construir sociedades mais justas é o grande desafio do futuro. A Educação é uma condição necessária para a construção da justiça social. Cita alguns estudos da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), criado pelas Nações Unidas.
Diz que hoje faz-se necessária a alfabetização científica e tecnológica. E salienta que é importante diferenciar o acesso universal ao domínio das novas tecnologias e as questões pedagógicas no uso dessas tecnologias. As questões colocadas são diferentes.
Quem não está inserido no mundo digital, fica fora das informações mais importantes que estão circulando. Há hoje programas de inclusão digital importantes na América Latina, um exemplo é o projeto “Um Computador por Aluno” (UCA).
Diz que toda escola deveria ter uma disciplina chamada Alfabetização digital.
O que significa inclusão digital em termos de alfabetização? É um assunto complexo onde temos que assumir uma postura científica. É preciso que trabalho em equipe, interação, cooperação, façam parte do projeto de uso das tecnologias, à serviço dos Projetos Pedagógicos. É fundamental discutir o Projeto Político pedagógico no qual são utilizadas as TIC´s.
Segue a palestra citando algumas pesquisas que considera importantes na área da neurociência. Diz que as crianças tem tempo de concentração curto, surfam, artificialmente. Há polêmicas, pois há pesquisas que apontam que jogos desenvolvem o pensamento complexo. É preciso estar “a par” dessas pesquisas e suas polêmicas, para que se possa pensar a respeito de decisões importantes politicamente falando.
Citou Nicolas Negroponte e a sua ong OLPC (one laptop per child). Disse que é necessário pensar na comercialização, mas a partir das necessidades sociais. Quais os problemas educacionais que esses laptops estão resolvendo?
É a tecnologia que tem que se adaptar aos problemas da escola e não o contrário.
Nesse momento, Juan Carlos Tedesco finaliza sua fala e em seguida o professor Alípio Casali faz a sua fala destacando iria chamar a atenção para alguns pontos da fala de Tedesco:
   Tedesco inicia falando de ceticismo e termina falando sobre o olhar para o futuro.
* O determinismo social ainda influencia os resultados.
* É preciso manejo adequado para o uso das tecnologias na Educação (investimentos)
*   Formação de sujeitos da ação social: com ética e visando uma sociedade mais justa, menos piramidal e mais plana, onde a Educação torna-se indispensável e as tecnologias entrem como dispositivos pedagógicos adequados para esse projeto.
* É preciso avançar nas pesquisas educacionais, colocando as TIC´s à disposição do Projeot Pedagógico e não o contrário.
Tedesco fala:
É preciso articular cultura digital com cultura científica. Temos muito desenvolvimento tecnológico e pouca cultura científica. É preciso um olhar interdisciplinar para o uso dessas tecnologias, um olhar sistêmico e complexo.
E vocês, o que acham?