segunda-feira, 22 de junho de 2015

Igualdade de Gênero  X Ideologia de Gênero


Essa é uma questão muito importante para esclarecer uma situação complexa, onde setores conservadores da sociedade criaram um cenário confuso e difundiram um uso completamente equivocado sobre gênero em meio à polissemia de seus significados.

A discussão do Plano Nacional de Educação (PNE), que define as metas e as estratégias da educação brasileira para os próximos dez anos e orienta as políticas educacionais em diferentes níveis, foi polêmica e acirrada no que diz respeito às questões de gênero e significou um retrocesso no que tange à garantia de direitos à uma parcela significativa da população, ao retirar de seu texto a garantia à igualdade de gênero e orientação sexual, alegando que havia ali a tentativa da difusão de uma “ideologia de gênero” que, no entender desse grupo conservador significaria a destruição dos valores e morais, da família dita tradicional e o avanço das pautas LGBT, entre elas a diversidade sexual.

Agora, a polêmica vem novamente à tona nas discussões sobre os Planos Estaduais e Municipais de Educação, e nesse momento faz-se necessário ouvir todos os lados, ter cautela, criticidade e não simplificar uma discussão tão complexa.

Um dos pontos principais é exatamente esse: diferenciar Igualdade de gênero de ideologia de gênero.
Para isso, é importante esclarecer primeiramente o que é gênero.

Gênero é uma categoria teórica criada na segunda metade do século XX para designar as construções sociais sobre o feminino e o masculino. Nesse sentido, Gênero pode ser entendido como uma construção social, histórica, cultural e dinâmica, baseada em relações de poder presentes na sociedade.  Não é algo que “nasce” com a pessoa, não é algo determinado pela biologia.  É um conceito complexo: seus significados se dão na intersecção com outras categorias de análise, como classe, raça/etnia, sexo, idade, religião, nos remetendo à muitas possibilidades de ser homem ou mulher, ou seja, à diferentes masculinidades e feminilidades, no plural. Nesse cenário, não dá para dizer que “as mulheres são todas iguais” ou que os “homens são todos iguais”, pois nos deparamos com uma enorme diversidade de significados, formas de ser e estar no mundo e na sociedade e inclusive, diferentes formas de lidar e sentir a sexualidade. Como os significados de gênero presentes em nossa sociedade são pautados em relações de poder, o que vemos é a difusão de um modelo de masculino e de feminino considerado como “norma”, que denominamos masculinidade ou feminilidade hegemônica, nas palavras da pesquisadora australiana Raywel Connel. Essa ideia baseia-se, geralmente, no determinismo biológico, e na construção das diferenças de forma hierarquizada e gera desigualdades e opressões. E é nesse ponto que os grupos conservadores se apoiam para criticar a construção da igualdade de gênero, porque trazer à tona a discussão de gênero significa mostrar que existem diferenças significativas entre as mulheres, entre os homens, que existem diferentes masculinidades e feminilidades, diferentes formas de expressar a afetividade, a sexualidade, as característica de gênero, denunciam o desrespeito à diversidade e pregam a igualdade e o respeito à dignidade humana e as diferenças.

Portanto, não dá pra falar em “ideologia de gênero” porque gênero não é uma ideologia. Muito pelo contrário, trazer a discussão de gênero é uma forma de desconstruir uma ideologia baseada na natureza e na biologia, desconstruir a desigualdade entre homens e mulheres em nossa sociedade e, inclusive, desconstruir as desigualdades entre os grupos de mulheres entre si e entre os grupos de homens.

Nesse sentido, as desigualdades existentes em nossa sociedade são muitas: a violência contra as mulheres em casa e nas ruas, as imensas desigualdades no mercado de trabalho, principalmente em relação à diferenças salariais e a discriminação pautada no sexo, ocupações informais e precárias, a baixa representação política das mulheres, os modelos de beleza impostos pela mídia, desigualdades entre mulheres de acordo com a renda, raça e etnia e local de moradia (rural e urbano), com destaque para a situação das mulheres negras e indígenas, desigualdades pautadas na orientação sexual e na identificação de gênero, independente do sexo, e situações de desigualdade que atingem, além das mulheres, as pessoas negras e de “minorias” étnico-raciais, as pessoas de outras regiões e do campo, de determinadas religiões, bem como pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), impedindo que cidadãos e cidadãs exerçam seus plenos direitos.

E para garantir direitos à todos os cidadãos e cidadãs, é que falamos e Igualdade de Gênero, que deve ser um valor democrático.

Então, não existe uma “ideologia de gênero”, termo criado – nesse contexto -  para confundir a cabeça das pessoas e sim um processo de busca pela igualdade de gênero, onde todas e todos, independente de seu sexo, gênero ou orientação sexual, tenham seus direitos garantidos, entre eles, o de pleno exercício de sua cidadania e pela erradicação da desigualdade baseada nas características de gênero.

Nesse sentido, vale lembrar que o contrário de igualdade não é a diferença. O contrário da igualdade é a desigualdade e é na luta contra ela que deve-se defender a igualdade de gênero.

O que é preciso ser implantando nas escolas?

O que é preciso ser implantado nas escolas é nada mais, nada menos que se cumpra a sua função de instituição pública, que deve servir à população, que é diversa sob diferentes aspectos, entre eles, o de gênero. Portanto, a escola deve pautar-se num trabalho que busque a Igualdade de gênero.

Isso porque a Educação é um direito de todos e todas e o Estado precisa garantir a oferta de uma educação não discriminatória e sem preconceitos, uma Educação verdadeiramente inclusiva, que construa uma cultura da diversidade, que valorize as diferenças, a pluralidade cultural e os diferentes significados presentes no espaço escolar, que trabalhe visando a garantia de Direitos, entre eles os direitos de Aprendizagem, que perpassam as relações sociais e de gênero presentes na escola, uma Educação para a democracia, que vise a construção da cidadania, ou seja, pessoas adultas autônomas, capazes de compreender a realidade e de transformar o mundo num lugar melhor para todas e todos.

A escola pública é o espaço do plural, das diferenças, da diversidade. E que bom que é assim!  Nas escolas aprendemos a respeitar as diferenças, é onde nos deparamos com outras pessoas que pensam, amam, agem e sentem diferente da gente e onde aprendemos a respeitar os outros.

O preconceito, que gera violência, bullyng, causa a evasão escolar e com ela, o insucesso e a impossibilidade de viver a sua cidadania.

Por esses motivos é tão importante a discussão sobre relações de gênero e igualdade de gênero nas escola. Se queremos uma sociedade mais justa e igualitária, é sem dúvida na escola que deve-se investir os esforços. A chave para reverter o quadro desolador de desigualdade é a educação. E atitudes preconceituosas e discriminatórias somente podem ser mudadas por meio da educação – em todos os níveis e modalidades – em direitos humanos e de respeito à diversidade humana, em todas suas manifestações.