terça-feira, 3 de junho de 2014

Trechos da palestra do professor Mário Sérgio Cortella na Feira Educar/Educador 2014

Fonte da imagem: http://www.compromissocampinas.org.br/a-escola-passou-a-ser-vista-como-um-espaco-de-salvacao/

Esse é um texto elaborado a partir das minhas anotações da palestra do professor Mário Sérgio Cortela. Além de anotações minhas, representa aquilo que consegui captar, muitas coisas que ele disse ficaram “de fora”. Mas acredito que vale a pena compartilhar. Ouvir, ler e conversar sobre ideias e reflexões acerca da Educação é sempre bom. De antemão deixo claro que esse é o meu ponto de vista. E o texto não terá uma forma linear. Nem sempre precisa ter. Apresentar-se-á em fragmentos. São pequenas falas transcritas. Espero que faça pensar a respeito e que cada um/a possa chegar às suas próprias "conclusões". Vamos lá:

O professor Mário Sérgio iniciou dizendo algo que concordo plenamente:

 “qualidade para poucos não é qualidade, é privilégio” (trouxe alguns dados sobre o acesso à escola nos diferentes níveis no Brasil). E prosseguiu: a qualidade tem que ser qualidade social. Se alguém não está, não é qualidade.

E durante a explanação, soltou algumas “pérolas” para refletirmos. Lá vai:

“A minha liberdade não acaba quando começa a do outro. A minha liberdade acaba quando acaba a do outro”.

“Se não tivermos todas e todos na escola, teremos uma fratura ética”. Por isso a questão: a escola é justa? Como instituição, ainda não.

“Humildade é diferente de subserviência”.

“Reconhecer as diferenças não significa elogiar as desigualdades”.
“Homens e mulheres são diferentes, mas não precisam ser desiguais”.

“Gente grande de verdade, sabe que é pequena e por isso cresce. Gente muito pequena, acha que é grande e para crescer, diminui o outro”.

“Ética é decisão e escolha”.

“Democracia não é ausência de ordem. Democracia é ausência de opressão”.

“O mundo que nós vamos deixar para nossos filhos depende muito dos filhos que nós vamos deixar para esse mundo”.

“Escolarização não é Educação. Ela é uma parte da Educação”.

“É preciso humildade para aprender o que a gente não sabe e coragem para enfrentar o que tem que ser enfrentado, olhando para dentro de nós. É a coragem de enfrentar o medo, não é ausência de medo. Ausência de medo é inconsequência”.

“Cinismo é comportar-se de modo conveniente. Por exemplo, o professor que trabalha na rede pública e na rede privada e age diferente, trabalha melhor na escola privada. Isso é falta de vergonha na cara. Se acha que ganha pouco, então desista.”

É preciso esperança. Do verbo esperançar e não do verbo esperar”.

“A tragédia não é quando um homem morre, é quando morre algo nele quando ele ainda está vivo”.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Palestra do professor Antônio Nóvoa na Feira Educar/Educador 2014

Fonte da imagem: http://www.educar.editorasegmento.com.br/materia/9303/%E2%80%9Ca-escola-que-conhecemos-vai-desaparecer%E2%80%9D

No dia 23 de maio de 2014, na Feira Educar/Educador, que ocorreu no Centro de Exposições Imigrantes, das14h30 às 16h00 aconteceu uma palestra maravilhosa com o professor Antônio Nóvoa, da Universidade de Lisboa, Portugal. O título de sua palestra foi “A construção coletiva do projeto educativo da escola”. Ele anunciou que faria uma fala breve e simples, uma introdução ao assunto, já que o tempo era curto e que essa fala consistiria na análise de três pontos: aprendizagem, ambientes escolares e cidade educadora. Para Nóvoa, esses pontos poderiam ser analisados por inúmeros pontos de vista, dada a sua complexidade, mas que sua escolha seria por discutir a questão das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) na educação. Transcrevo abaixo, a sua fala:

“Debaixo de nossos olhos e perante uma certa indiferença de nossa parte, estão acontecendo três revoluções: na aprendizagem, nos ambientes escolares e na cidade educadora”.

1. Revolução na aprendizagem

Há muitas maneiras de entrar nessa questão. É preciso olhar para a revolução digital. As tecnologias não resolvem nossos problemas, mas tentarei explicar uma mudança histórica que está acontecendo. Não a tecnologia em si, mas o que ela tem feito com nossa forma de aprender. A escrita foi a revolução que nos trouxe para a história. Depois veio a imprensa (com Gutemberg) que nos permitiu a escola e a cultura escolar do modo como a conhecemos. Nós vivemos hoje uma revolução digital, é algo imenso sobre o qual precisamos refletir.
A principal invenção tecnológica, no campo do ensino, nos últimos dois séculos foi o quadro negro (a lousa).

O quadro negro tem 4 principais características:

1 – É fixo, define um espaço, delimita
2 – É um elemento vazio, é preciso que alguém escreva nele alguma coisa.
3 – Por definição, a lousa obriga uma comunicação vertical, do professor para o aluno.
4 – É um instrumento que é utilizado coletivamente.

Agora, vejamos as 4 principais características de um Iphone:

1 – É um instrumento móvel
2 – Não é vazio, é cheio
3 – Implica/induz uma comunicação horizontal
4 – Pode ser utilizado no plano individual

Então, vivemos hoje grandes transformações:
do Fixo para o móvel
do vazio para o cheio
do vertical para o horizontal
do coletivo para o individual

Vivemos o limiar de uma mudança que nos permitirá finalmente concretizar muitas coisas que temos dito nos últimos 100 anos, mas que não conseguimos fazer.

O que nos move e nos faz sonhar há 100 anos?
  • autonomia dos educandos
  • pedagogia da pesquisa
  • autoformação
  • interação
  • aprender fazendo
  • aprender relacionando-se
  • aprender comunicando-se
  • métodos ativos
  • criação
  • trabalho em grupo
  • diferenciação pedagógica
  • individualização do ensino

Em relação a tudo isso, temos dito muito e temos feito pouco. Nós tínhamos um ideário pedagógico, mas não tínhamos uma estrutura pedagógica para que isso fosse concretizado. Nós, educadores humanistas, sempre desconfiamos e fomos críticos das tecnologias e, por ironia do destino, talvez estejamos vivendo uma possibilidade de construção de uma escola onde os dispositivos/instrumentos para concretizar nosso ideário esteja no uso dessas tecnologias. O que conta, não é a tecnologia em si e sim os seus usos, uma aprendizagem que liberta, que inclui, a relação com o conhecimento, a cultura. Precisamos usar a tecnologia para concretizar esses objetivos.

2. Revolução nos ambientes escolares

E o que apareceu ao lado do quadro negro? O desenho do plano de uma sala de aula. A ideia de ensinar a muitos como se fossem um só. Isso foi uma enorme revolução, ensinar a muitos ao invés de ensinar um por um. A partir daí, todas as salas de aula, nos últimos 150 anos e no mundo todo, são assim (com raras exceções). A escola nasceu como normalização. Não é a toa que a formação de professores era feita em escolas normais, pois se destinava a normatizar o ensino. Nós nunca tivemos escolas, nós tivemos salas de aula. Sempre pensamos a escola como o somatório de salas de aula.
Essa organização do espaço vai mudar. Haverá uma revolução no ambiente escolar. Uma lógica colaborativa, de construção de redes, ambientes diversos, de convivência, de aprendizagem. Nóvoa citou um autor chamado Sérgio Niza que diz “nós professores não somos uma corporação, nós somos um colégio colaborante, no qual em comum, trabalhamos”.
O século XXI será um conjunto de professores trabalhando em rede. Haverá diversidade de espaços, multiplicidade de espaços. A escola terá uma configuração muito diferente do que conhecemos hoje. A ideia ´de construção coletiva de um projeto educativo para a escola, em colaboração.
Na linguagem normal, escola é sinônimo de prédio escolar. A escola vai se desvincular do ponto de vista físico, estará pautada na ideia de colaboração, para uma dimensão de rede. E o projeto educativo é que dará sentido a essa nova ideia de escola. O professor será um organizador do trabalho, dos estudos, do conhecimento. Vai deixar de existir escolas tal como conhecemos hoje e isso vai acontecer muito mais rápido do que imaginamos. E a Educação terá um papel muito mais importante do que já tem hoje.
Nós todos temos uma enorme chance, nós somos contemporâneos, vai ser em nossas vidas que veremos essas mudanças. Citou a “pedagogia da esperança” de Paulo Freire e disse que temos uma oportunidade extraordinária de fazer essa mudança, mesmo com os medos e as dúvidas.

3. Revolução na “cidade educadora”

Quando a escola do quadro negro nasceu, as escolas eram pequenos edifícios no meio do nada. Havia poucas cidades, a escola vivia numa espécie de deserto, e de um deserto cultural também. A escola teve que trabalhar contra esse deserto que existia à sua volta [nesse momento, Nóvoa usou a imagem de uma construção pequena no meio do nada]. E nós continuamos a fazer de conta que a escola ainda vive nesse deserto.
[Nesse momento Nóvoa mostra a imagem de uma grande metrópole com todas as sua luzes acesas] e diz: é preciso investir nas grandes possibilidades educativas. Citou Paulo Freire e a cidade educadora. Esta escola transbordante, que quer fazer tudo, excessiva...precisamos de uma escola que entende que há mais educação para além da escola.
  • conhecimento
  • redes locais
  • centros culturais
  • naves do conhecimento
  • instituições
  • famílias
  • igrejas
  • centros de ciências
  • etc, etc, etc...

Resumindo a terceira revolução: chegou o tempo de pensar a educação para além da escola, de compreender todas as dimensões educativas que existem na cidade, na sociedade. Citou Gaston Bachelard: “o nosso problema não é transformar o mundo, porque ele transformar-se-á de qualquer maneira, o nosso problema é o sentido, é o rumo dessa mudança”.
É preciso conversar a respeito, refletir a respeito. É preciso construir a nossa versão dos fatos.
Nada substitui um bom professor, mas este professor já não é um professor individual, está em rede, assumindo uma responsabilidade coletiva, a construção coletiva do projeto educativo da escola.
E finaliza: “esta é a minha visão dos fatos, minhas dúvidas e minha compreensão. Peço que vivam esse momento com o espírito aberto” e cita o texto de Guimarães Rosa “a terceira margem do rio”, dizendo: “a terceira margem do rio é o próprio rio, o percurso, o caminho, o curso das águas”.




segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Criança, menina, mulher e negra



Menina ainda, pequena, criança, negra
Não entendia porque sua cor a diferenciaria
E na escola chorava porque a sua professora,
não a beijava, nem a abraçava.
Estranha e dolorosa descoberta, porque a mesma professora
beijava, elogiava e abraçava suas amiguinhas
pequenas, crianças, brancas...

Dor, dor, dor
Uma dor que não compreendia
Não conseguia se defender...
E perguntava pra sua mãe o que tinha que fazer pra ficar branca
E então conseguir o amor de tanta gente
amigos, professora, até parente.
E ficava triste porque ninguém queria brincar com a boneca que tinha a sua cor
E aquelas princesas eram todas brancas, loiras e de olhos azuis
Ela queria ser como elas e também como aquelas moças da TV
Cadê as apresentadoras negras? Cadê?
Assim ia aprendendo que o belo, ao qual todos gostavam, não tinha nada a ver com ela...
Não se identificava, chorava...

Maior um pouco, já no ensino fundamental
Ouviu certa vez, numa aula, de uma certa professora
Que a cor preta representava o pecado, as coisas ruins...
Nessa mesma escola, teve que engolir a raiva
quando outro professor, por puro preconceito, degradou sua religião, a umbanda...
E pensava: será que tudo que diz respeito a mim não presta?

Como é que se constrói um ser humano desse jeito?

Entre colegas, mais sofrimento, brigas entre as meninas, acontece...
Mas ouviu de uma delas: “sua neguinha, se enxerga, olha pra você e olha pra mim, quem é que vai levar a melhor na vida, hein?”
Revolta dobrada quando ao relatar a situação para a coordenação, ouviu: “não liga pra ela não, fica quieta e evita confusão”...
A aprendizagem da submissão é cruel, e é ressaltada quando há conivência
E a sociedade reclama da violência...

O sofrimento continuou no ensino médio, quando ao ser transferida pra uma escola particular “bacana”, descobriu-se a única negra do lugar
Era olhada de cima a baixo por colegas e certos professores
E aprendeu muito cedo que teria que provar a todos que estar ali era mérito seu
Ela era boa, era mulher e negra, mas era boa...
Conheceu um rapaz e se apaixonou, mas a família dele não a aceitou: “onde já se viu namorar uma moça negra, meu filho? Não é a gente não, pensa bem, são os outros, meu bem...”
E tão logo passou por uma desilusão amorosa...
a essa altura, ela mesma já se achava feia e não merecedora do amor de ninguém
E ainda ouvia na escola que vivemos em uma democracia racial...


Entre altos e baixos, mulher feita já
Enfrentou o preconceito no mercado de trabalho
Sua aparência não era bem à que as empresas queriam, apesar da sua formação
E quando enfim, conseguiu um emprego, descobriu que como mulher seu salário era bem menor
E que como negra, sua posição também era menor
Revolta novamente ao descobrir as estatísticas e ao deparar-se com gente que não sente na pele literalmente todo esse preconceito e fala mal das cotas para negros
Ela mesma começou a pensar nas companheiras de negritude que não tiveram a mesma chance que ela, que não fizeram um ensino médio como o dela, numa escola “bacana”, que chance teriam?
Como concorreriam? Não, isso tudo é muito desleal.
Essa mulher defendia as ações afirmativas, as mulheres, as pessoas negras onde que ela fosse.

Mas um dia chegou em casa e viu uma movimentação estranha...
Muita gente na frente de casa, seu coração gelou na hora...
Vieram em sua direção e pediram para que tivesse calma, que ela teria que ser forte...
“O que foi que aconteceu? Foi meu filho?”
“Nãaaaaaao!!!!!!!!”
E agora apenas choro e desespero.
Seu filho fora assassinado por policiais, confundido com um ladrão...
Sabe como é, negro nesse país...

E desacreditada da justiça
Cansada de violência
revivendo um filme que passava em sua cabeça...
revivendo tudo o que sofreu na infância e juventude...
Não aguentou...
E se suicidou.

Edna Telles



Fonte da imagem: http://cristianesobral.blogspot.com.br/2012/09/a-gente-so-pode-ser-aquilo-que-e-conto.html