Palestra
do professor Antônio Nóvoa na Feira Educar/Educador 2014
Fonte da imagem: http://www.educar.editorasegmento.com.br/materia/9303/%E2%80%9Ca-escola-que-conhecemos-vai-desaparecer%E2%80%9D
No dia 23
de maio de 2014, na Feira Educar/Educador, que ocorreu no Centro de
Exposições Imigrantes, das14h30 às 16h00 aconteceu uma palestra
maravilhosa com o professor Antônio Nóvoa, da Universidade de
Lisboa, Portugal. O título de sua palestra foi “A construção
coletiva do projeto educativo da escola”. Ele anunciou que
faria uma fala breve e simples, uma introdução ao assunto, já que
o tempo era curto e que essa fala consistiria na análise de três
pontos: aprendizagem, ambientes escolares e cidade educadora. Para
Nóvoa, esses pontos poderiam ser analisados por inúmeros pontos de
vista, dada a sua complexidade, mas que sua escolha seria por
discutir a questão das TICs (Tecnologias de Informação e
Comunicação) na educação. Transcrevo abaixo, a sua fala:
“Debaixo
de nossos olhos e perante uma certa indiferença de nossa parte,
estão acontecendo três revoluções: na aprendizagem, nos ambientes
escolares e na cidade educadora”.
1.
Revolução na aprendizagem
Há
muitas maneiras de entrar nessa questão. É preciso olhar para a
revolução digital. As tecnologias não resolvem nossos problemas,
mas tentarei explicar uma mudança histórica que está acontecendo.
Não a tecnologia em si, mas o que ela tem feito com nossa forma de
aprender. A escrita foi a revolução que nos trouxe para a história.
Depois veio a imprensa (com Gutemberg) que nos permitiu a escola e a
cultura escolar do modo como a conhecemos. Nós vivemos hoje uma
revolução digital, é algo imenso sobre o qual precisamos refletir.
A
principal invenção tecnológica, no campo do ensino, nos últimos
dois séculos foi o quadro negro (a lousa).
O quadro
negro tem 4 principais características:
1 – É
fixo, define um espaço, delimita
2 – É
um elemento vazio, é preciso que alguém escreva nele alguma coisa.
3 – Por
definição, a lousa obriga uma comunicação vertical, do professor
para o aluno.
4 – É
um instrumento que é utilizado coletivamente.
Agora,
vejamos as 4 principais características de um Iphone:
1 – É
um instrumento móvel
2 – Não
é vazio, é cheio
3 –
Implica/induz uma comunicação horizontal
4 –
Pode ser utilizado no plano individual
Então,
vivemos hoje grandes transformações:
do Fixo
para o móvel
do vazio
para o cheio
do
vertical para o horizontal
do
coletivo para o individual
Vivemos o limiar de uma mudança que nos permitirá finalmente
concretizar muitas coisas que temos dito nos últimos 100 anos, mas
que não conseguimos fazer.
O que nos move e nos faz sonhar há 100 anos?
- autonomia dos educandos
- pedagogia da pesquisa
- autoformação
- interação
- aprender fazendo
- aprender relacionando-se
- aprender comunicando-se
- métodos ativos
- criação
- trabalho em grupo
- diferenciação pedagógica
- individualização do ensino
Em relação a tudo isso, temos dito muito e temos feito pouco. Nós
tínhamos um ideário pedagógico, mas não tínhamos uma estrutura
pedagógica para que isso fosse concretizado. Nós, educadores
humanistas, sempre desconfiamos e fomos críticos das tecnologias e,
por ironia do destino, talvez estejamos vivendo uma
possibilidade de construção de uma escola onde os
dispositivos/instrumentos para concretizar nosso ideário esteja no
uso dessas tecnologias. O que conta, não é a tecnologia em si e sim
os seus usos, uma aprendizagem que liberta, que inclui, a relação
com o conhecimento, a cultura. Precisamos usar a tecnologia para
concretizar esses objetivos.
2.
Revolução nos ambientes escolares
E o que apareceu ao lado do quadro negro? O desenho do plano de uma
sala de aula. A ideia de ensinar a muitos como se fossem um só. Isso
foi uma enorme revolução, ensinar a muitos ao invés de ensinar um
por um. A partir daí, todas as salas de aula, nos últimos 150 anos
e no mundo todo, são assim (com raras exceções). A escola nasceu
como normalização. Não é a toa que a formação de professores
era feita em escolas normais, pois se destinava a normatizar o
ensino. Nós nunca tivemos escolas, nós tivemos salas de aula.
Sempre pensamos a escola como o somatório de salas de aula.
Essa organização do espaço vai mudar. Haverá uma revolução no
ambiente escolar. Uma lógica colaborativa, de construção de redes,
ambientes diversos, de convivência, de aprendizagem. Nóvoa citou um
autor chamado Sérgio Niza que diz “nós professores não somos uma
corporação, nós somos um colégio colaborante, no qual em comum,
trabalhamos”.
O século XXI será um conjunto de professores trabalhando em rede.
Haverá diversidade de espaços, multiplicidade de espaços. A escola
terá uma configuração muito diferente do que conhecemos hoje. A
ideia ´de construção coletiva de um projeto educativo para a
escola, em colaboração.
Na linguagem normal, escola é sinônimo de prédio escolar. A
escola vai se desvincular do ponto de vista físico, estará pautada
na ideia de colaboração, para uma dimensão de rede. E o projeto
educativo é que dará sentido a essa nova ideia de escola. O
professor será um organizador do trabalho, dos estudos, do
conhecimento. Vai deixar de existir escolas tal como conhecemos hoje
e isso vai acontecer muito mais rápido do que imaginamos. E a
Educação terá um papel muito mais importante do que já tem hoje.
Nós todos temos uma enorme chance, nós somos contemporâneos, vai
ser em nossas vidas que veremos essas mudanças. Citou a “pedagogia
da esperança” de Paulo Freire e disse que temos uma oportunidade
extraordinária de fazer essa mudança, mesmo com os medos e as
dúvidas.
3.
Revolução na “cidade educadora”
Quando a escola do quadro negro nasceu, as escolas eram pequenos
edifícios no meio do nada. Havia poucas cidades, a escola vivia numa
espécie de deserto, e de um deserto cultural também. A escola teve
que trabalhar contra esse deserto que existia à sua volta [nesse
momento, Nóvoa usou a imagem de uma construção pequena no meio do
nada]. E nós continuamos a fazer de conta que a escola ainda vive
nesse deserto.
[Nesse momento Nóvoa mostra a imagem de uma grande metrópole com
todas as sua luzes acesas] e diz: é preciso investir nas grandes
possibilidades educativas. Citou Paulo Freire e a cidade educadora.
Esta escola transbordante, que quer fazer tudo,
excessiva...precisamos de uma escola que entende que há mais
educação para além da escola.
- conhecimento
- redes locais
- centros culturais
- naves do conhecimento
- instituições
- famílias
- igrejas
- centros de ciências
- etc, etc, etc...
Resumindo a terceira revolução: chegou o tempo de pensar a
educação para além da escola, de compreender todas as dimensões
educativas que existem na cidade, na sociedade. Citou Gaston
Bachelard: “o nosso problema não é transformar o mundo, porque
ele transformar-se-á de qualquer maneira, o nosso problema é o
sentido, é o rumo dessa mudança”.
É preciso conversar a respeito, refletir a respeito. É preciso
construir a nossa versão dos fatos.
Nada substitui um bom professor, mas este professor já não é um
professor individual, está em rede, assumindo uma responsabilidade
coletiva, a construção coletiva do projeto educativo da escola.
E finaliza: “esta é a minha visão dos fatos, minhas dúvidas e
minha compreensão. Peço que vivam esse momento com o espírito
aberto” e cita o texto de Guimarães Rosa “a terceira margem do
rio”, dizendo: “a terceira margem do rio é o próprio rio, o
percurso, o caminho, o curso das águas”.