(Maria Teresa Quiroz Velasco)
Nas
plataformas digitais se multiplicam dia a dia as formas de inter-relação entre
os jovens, e a educação e as aprendizagens não deveriam estar alheias a esses
espaços.
Resulta
substancial identificar os chamados “nativos digitais” e sua relação com os “imigrantes
digitais” para compreender o mundo dos jovens e as fraturas geracionais que se
expressam na família, na escola e na vida cotidiana.
Os
nativos digitais passam muito tempo em contextos digitais, intercambiando
correios eletrônicos, arquivos digitais e mensagens curtas de texto por
celular, nos “chats” ou em redes sociais. Desde muito jovens começam a
usar esses meios e estão habituados ao trabalho colaborativo através de intermediários
digitais e não do papel e da impressão. Lêem menos, vêem mais TV e em geral
consomem muitas imagens.
Nesse
sentido, a escola e os sistemas de educação dificilmente podem competir com a
televisão, e menos ainda com as redes, os jogos e os contextos participativos
(PISCITELLI, 2008;2009). Estamos diante de um novo modelo porque o conhecimento
da realidade dos mais jovens passa, em boa medida, por todos esses meios
(IGARZA, 2008).
Não
obstante, e apesar das oposições entre nativos e imigrantes digitais, as
diferenças geracionais seguem atravessadas pelas distâncias sócio-econômicas e
culturais. A desigualdade não pode entender-se nem reduzir-se à condições
materiais e de recursos técnicos, mas a um acesso desigual a novos recursos de
individuação, estreitamente vinculados aos conhecimentos facilitados pela
digitalização. Pode haver muitas crianças ou adolescentes nativos digitais pela
idade, mas que pela desigualdade educativa ou por pertencer a um universo
familiar com muitas carências não adquirem as competências necessárias.
São
iguais as crianças e adolescentes cujas famílias lhes estimulam a interpretação
de imagens, o exercício da opinião e o desenvolvimento de múltiplas capacidades
e aquelas crianças e adolescentes de origem familiar urbanas marginalizadas e
rurais, onde a violência familiar é mais freqüente, o estímulo intelectual
menor e a educação dos pais mais
escassa?
Definitivamente
não é um assunto meramente tecnológico. Alberto Melucci sustenta que a
informação é um recurso simbólico e reflexivo, porém não se trata de qualquer
bem, porque para que a informação seja produzida e intercambiada se requer
capacidades de simbolização e decodificação. Sustenta que “o conhecimento é
cada vez menos conhecimento de conteúdos e cada vez mais capacidade de
codificar e decodificar mensagens” (MELUCCI, 1999). Os conteúdos perderam o
valor central que tinham na educação tradicional, por isso, hoje em dia,
interessa menos “o que”, e sim o “como”.
Para
os mais jovens, o essencial de sua relação com a tecnologia está na
possibilidade de estabelecer vínculos ao longo de todo o dia. A tradicional
separação entre pensar e sentir, a razão e a emoção, instauradas pela educação
na família e consagradas pela escola, tem dado espaço a outras modalidades de
relação. Essa ideia vai ao encontro do que Roberto Igarza diz quando sustenta
que, para os mais jovens, “ser é, antes de tudo, comunicar”, porque
desfrutam, em seu tempo ócio “em baixar
e escutar música em formatos digitais, organizar álbuns de fotos acessíveis
através da Internet para que seus amigos possam ver e comentar, assistir vídeos
curtos em sites como YouTube e chatear, ser parte das redes sociais, ao
mesmo tempo em que fazem outras várias atividades simultaneamente. A televisão
já não lhes interessa tanto (...) Necessitam de um elevado nível de
(hiper)atividade, o que está muito bem contextualizado no modelo comunicativo
da era digital” (IGARZA, 2008).
Carlos
Scolari acrescenta que estamos frente a mudanças cognitivas nas novas gerações,
as quais tem sido formadas em outras experiências midiáticas e perceptivas. A
cognição de uma criança que passa o tempo em meio a telas interativas e
narrativas transmidiáticas é diferente daquela que passa seu tempo em meio a TV
ou com os livros. Nesse sentido, a escola é a que mais sofre porque se
encontra, mais uma vez, frente a mudanças que não consegue conter e nem
acompanhar as crianças e adolescentes.
Mas,
sem dúvida, é equivocado pensar que os nativos digitais fazem um uso amplo e
profundo da tecnologia.
Há
autores que optam por examinar de forma crítica os chamados “nativos digitais”,
como o inglês David Buckingham, que examina a visão complacente de muitos
autores que falam sobre as possibilidades ilimitadas da tecnologia e sua
apropriação por parte dos mais jovens: “...a realidade é mais complexa. A visão
otimista dos jovens como uma “geração digital” livre e potencializada
automaticamente em virtude de suas experiências com as novas tecnologias – não
passa de ilusão. Essa concepção não leva em conta algumas continuidades
fundamentais, assim como importantes diferenças e desigualdades, nas
experiências culturais dos jovens (...) Há uma diferença significativa, cada
dia mais profunda, entre a experiência da maior parte dos jovens com a
tecnologia fora da escola e seu uso dentro da escola. E essa “nova exclusão
digital” é a que a política e a prática educativa devem abordar agora com
urgência” (BUCKINGHAM, 2008: 110).
Acrescenta
Buckingham que muitas vezes se ocultam interesses de mercado ao apresentar-se
as crianças e jovens como uma geração dotada de “fluidez tecnológica”. Os
nativos digitais tem um estilo de aprendizagem pautado na interação e no maior
valor à imagens do que a palavras, assim como ao valor à velocidade. Apesar de
terem deixado para trás o modelo sequencial e o discurso de seus pais e
professores, resulta equivocado “endeusar” as crianças e jovens pela sua
capacidade de informar-se, inovar e criar conteúdos. Há muito poucos indícios
de que usem a Internet para conectar-se com o mundo. A usam melhor para
conectar-se a seus pares mais próximos e para estender as relações já
existentes. (BUCKINGHAM, 2008: 110-124).
Texto
base:
VELASCO,
Maria Teresa Quiroz. Tecnologias digitais: para a educação e a comunicação. In:
CURY, Lucilene (org). Tecnologias digitais nas interfaces da
comunicação/educação: desafios e perspectivas. 1 ed. – Curitiba, PR: CRV,
2012.
Referências citadas no texto:
BUCKINGHAM, D. Más Allá de la tecnología.
Aprendizaje infantil en la era de la cultura digital. Buenos Aires:
Manantial, 2008.
IGARZA,
R. Nuevos médios. Estratégias de convergência. Buenos Aires: La Crujía. 2008.
MELUCCI, A. Esfera pública y democracia en la
era de la información. Metapolítica, no.9. 1999.
PISCITELLI,
A. Nativos digitales. Revista contratexto 6: http;///.ulima.edu.pe/Revistas/contratexto.
2008.
PISCITELLI,
A. Nativos digitales. Dieta cognitiva, inteligência colectiva y
arquitecturas de la participación. Buenos Aires: Santillana. 2009.
Fonte da imagem: http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=895 (acesso em 02/09/2012, as 20h16)