domingo, 2 de setembro de 2012

Nossos jovens em meio a imagens, sons e telas


(Maria Teresa Quiroz Velasco)
Nas plataformas digitais se multiplicam dia a dia as formas de inter-relação entre os jovens, e a educação e as aprendizagens não deveriam estar alheias a esses espaços.

Resulta substancial identificar os chamados “nativos digitais” e sua relação com os “imigrantes digitais” para compreender o mundo dos jovens e as fraturas geracionais que se expressam na família, na escola e na vida cotidiana.

Os nativos digitais passam muito tempo em contextos digitais, intercambiando correios eletrônicos, arquivos digitais e mensagens curtas de texto por celular, nos “chats” ou em redes sociais. Desde muito jovens começam a usar esses meios e estão habituados ao trabalho colaborativo através de intermediários digitais e não do papel e da impressão. Lêem menos, vêem mais TV e em geral consomem muitas imagens.

Nesse sentido, a escola e os sistemas de educação dificilmente podem competir com a televisão, e menos ainda com as redes, os jogos e os contextos participativos (PISCITELLI, 2008;2009). Estamos diante de um novo modelo porque o conhecimento da realidade dos mais jovens passa, em boa medida, por todos esses meios (IGARZA, 2008).

Não obstante, e apesar das oposições entre nativos e imigrantes digitais, as diferenças geracionais seguem atravessadas pelas distâncias sócio-econômicas e culturais. A desigualdade não pode entender-se nem reduzir-se à condições materiais e de recursos técnicos, mas a um acesso desigual a novos recursos de individuação, estreitamente vinculados aos conhecimentos facilitados pela digitalização. Pode haver muitas crianças ou adolescentes nativos digitais pela idade, mas que pela desigualdade educativa ou por pertencer a um universo familiar com muitas carências não adquirem as competências necessárias.

São iguais as crianças e adolescentes cujas famílias lhes estimulam a interpretação de imagens, o exercício da opinião e o desenvolvimento de múltiplas capacidades e aquelas crianças e adolescentes de origem familiar urbanas marginalizadas e rurais, onde a violência familiar é mais freqüente, o estímulo intelectual menor e a  educação dos pais mais escassa?

Definitivamente não é um assunto meramente tecnológico. Alberto Melucci sustenta que a informação é um recurso simbólico e reflexivo, porém não se trata de qualquer bem, porque para que a informação seja produzida e intercambiada se requer capacidades de simbolização e decodificação. Sustenta que “o conhecimento é cada vez menos conhecimento de conteúdos e cada vez mais capacidade de codificar e decodificar mensagens” (MELUCCI, 1999). Os conteúdos perderam o valor central que tinham na educação tradicional, por isso, hoje em dia, interessa menos “o que”, e sim o “como”.

Para os mais jovens, o essencial de sua relação com a tecnologia está na possibilidade de estabelecer vínculos ao longo de todo o dia. A tradicional separação entre pensar e sentir, a razão e a emoção, instauradas pela educação na família e consagradas pela escola, tem dado espaço a outras modalidades de relação. Essa ideia vai ao encontro do que Roberto Igarza diz quando sustenta que, para os mais jovens, “ser é, antes de tudo, comunicar”, porque desfrutam, em  seu tempo ócio “em baixar e escutar música em formatos digitais, organizar álbuns de fotos acessíveis através da Internet para que seus amigos possam ver e comentar, assistir vídeos curtos em sites como YouTube e chatear, ser parte das redes sociais, ao mesmo tempo em que fazem outras várias atividades simultaneamente. A televisão já não lhes interessa tanto (...) Necessitam de um elevado nível de (hiper)atividade, o que está muito bem contextualizado no modelo comunicativo da era digital” (IGARZA, 2008).

Carlos Scolari acrescenta que estamos frente a mudanças cognitivas nas novas gerações, as quais tem sido formadas em outras experiências midiáticas e perceptivas. A cognição de uma criança que passa o tempo em meio a telas interativas e narrativas transmidiáticas é diferente daquela que passa seu tempo em meio a TV ou com os livros. Nesse sentido, a escola é a que mais sofre porque se encontra, mais uma vez, frente a mudanças que não consegue conter e nem acompanhar as crianças e adolescentes.

Mas, sem dúvida, é equivocado pensar que os nativos digitais fazem um uso amplo e profundo da tecnologia.

Há autores que optam por examinar de forma crítica os chamados “nativos digitais”, como o inglês David Buckingham, que examina a visão complacente de muitos autores que falam sobre as possibilidades ilimitadas da tecnologia e sua apropriação por parte dos mais jovens: “...a realidade é mais complexa. A visão otimista dos jovens como uma “geração digital” livre e potencializada automaticamente em virtude de suas experiências com as novas tecnologias – não passa de ilusão. Essa concepção não leva em conta algumas continuidades fundamentais, assim como importantes diferenças e desigualdades, nas experiências culturais dos jovens (...) Há uma diferença significativa, cada dia mais profunda, entre a experiência da maior parte dos jovens com a tecnologia fora da escola e seu uso dentro da escola. E essa “nova exclusão digital” é a que a política e a prática educativa devem abordar agora com urgência” (BUCKINGHAM, 2008: 110).

Acrescenta Buckingham que muitas vezes se ocultam interesses de mercado ao apresentar-se as crianças e jovens como uma geração dotada de “fluidez tecnológica”. Os nativos digitais tem um estilo de aprendizagem pautado na interação e no maior valor à imagens do que a palavras, assim como ao valor à velocidade. Apesar de terem deixado para trás o modelo sequencial e o discurso de seus pais e professores, resulta equivocado “endeusar” as crianças e jovens pela sua capacidade de informar-se, inovar e criar conteúdos. Há muito poucos indícios de que usem a Internet para conectar-se com o mundo. A usam melhor para conectar-se a seus pares mais próximos e para estender as relações já existentes. (BUCKINGHAM, 2008: 110-124).
Texto base:
VELASCO, Maria Teresa Quiroz. Tecnologias digitais: para a educação e a comunicação. In: CURY, Lucilene (org). Tecnologias digitais nas interfaces da comunicação/educação: desafios e perspectivas. 1 ed. – Curitiba, PR: CRV, 2012.

Referências citadas no texto:

BUCKINGHAM, D. Más Allá de la tecnología. Aprendizaje infantil en la era de la cultura digital. Buenos Aires: Manantial, 2008.

IGARZA, R. Nuevos médios. Estratégias de convergência. Buenos Aires: La Crujía. 2008.

MELUCCI, A. Esfera pública y democracia en la era de la información. Metapolítica, no.9. 1999.

PISCITELLI, A. Nativos digitales. Revista contratexto 6: http;///.ulima.edu.pe/Revistas/contratexto. 2008.

PISCITELLI, A. Nativos digitales. Dieta cognitiva, inteligência colectiva y arquitecturas de la participación. Buenos Aires: Santillana. 2009.

Fonte da imagem:  http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=895 (acesso em 02/09/2012, as 20h16)