Quem é Bernard
Charlot?
Bernard
Jean Jacques Charlot nasceu em Paris, em 1944. Formou-se em Filosofia
em 1967 e, dois anos depois, foi lecionar Ciências da Educação na
Universidade de Túnis, na Tunísia. De volta à França, em 1973,
trabalhou por 14 anos na Ecole Normale, um instituto de formação de
docentes. No período de 1987 a 2003, atuou como professor
catedrático da Universidade de Paris 8, onde fundou a equipe de
pesquisa Escol (Educação, Socialização e Comunidades Locais),
voltada para a elaboração dos elementos básicos da teoria da
relação com o saber. Após se aposentar, veio para o Brasil. Como
professor-visitante da Universidade Federal de Mato Grosso, seguiu
fazendo pesquisas até ser convidado para ser visitante na
Universidade Federal de Sergipe, em Aracaju. Desde 2006, é lá que
coordena o grupo de pesquisas Educação e Contemporaneidade,
engajado em delinear as relações com os saberes e explicitar de que
forma os alunos se apropriam deles
(http://filosofarpreciso.blogspot.com.br/2009/06/bernard-charlot-ensinar-com-significado.html),
acesso em 10/09/2012.
No dia 01
de setembro (sábado) tive o prazer de conhecer pessoalmente Bernard
Charlot. Fui a uma palestra dele no Instituto Singularidades, em São
Paulo. Dentre tantas coisas que Charlot disse, compartilho aqui
algumas das ideias que ele trouxe para discussão. Uma das coisas foi
em relação ao sucesso das crianças das classes populares. Ele
disse que essas crianças não necessariamente terão uma vida como a
de seus pais. Disse que há uma posição social objetiva, mas há
também o que as pessoas fazem em suas cabeças com essa posição
social objetiva, porque existe também uma posição social
subjetiva, e aí entra o papel da escola em mostrar possibilidades,
caminhos, dar acesso à um outro mundo possível. Deu o exemplo de
Luiz Inácio Lula da Silva (ex-presidente Lula), como uma pessoa que
foi muito além de suas origens. Charlot deixou claro que sua
abordagem é antropológica. Defende que o ser humano nasce
incompleto, inacabado e que pela sua condição humana tem capacidade
para criar o que precisa. O ser humano é humano, social e singular
ao mesmo tempo. “Quanto mais social, mais sou eu mesmo, mais eu
me desenvolvo enquanto singularidade”.
Diz ainda
que só aprende quem se mobiliza intelectualmente. A mobilização é
um movimento “de dentro”, ela supõe desejo
(psicanaliticamente falando). Por isso Charlot justifica que não
gosta da palavra “motivação”, pois é algo de fora pra dentro
e, dentro da visão que ele acredita, motivação não funciona. O
desejo pode investir em objetos de saber.
“Na
escola se aprende a não gostar do que se ensina na escola”. A
professora tem que transformar crianças em alunos. Antigamente, a
escola recebia alunos (pois toda a formação anterior era feita na
família). Agora a escola recebe crianças, todo o trabalho que
antigamente era feito no âmbito familiar, agora a escola precisa
fazer. E completa que a escola democrática é aquela que faz o que a
família não consegue fazer.
Na
caracterização de alunos, relata que há alunos que aprendem com
qualquer método (os considerados CDF´s). Há alunos que vão à
escola para mudar a vida (em exemplo pode ser um bom aluno de meio
popular)- que ele chama de voluntarismo. Há alunos aos quais a
escola não oferece aventura intelectual (diz que as vezes até a
professora acha chato o que ela ensina...). E há alunos que não vão
à escola para aprender, vão à escola para passar de ano e se
formar. Fazem as atividades apenas para passar de ano, mais nada.
Nesse ponto, eu questionei o que fazemos então com alunos que
frequentam escolas organizadas por ciclos, onde não há reprovação
(a não ser ao fim do ciclo), o que fazer para que eles se sintam
“mobilizados intelectualmente”? Charlot respondeu que esse é um
problema, principalmente porque teoricamente as escolas são
concebidas em ciclo, mas suas práticas continuam “seriadas”.
Enquanto elas não funcionarem na lógica do ciclo e com práticas de
ciclo, isso continuará sendo um problema.
Charlot
ressalta que os alunos funcionam em uma lógica profundamente
diferente da nossa. É preciso conhecê-los, saber o que pensam sobre
as coisas, sobre a escola.
Entre
outras coisas, Charlot comentou sobre algumas entrevistas que fez com
crianças na periferia de Paris e também em periferias de algumas
cidades no Brasil. Ele disse que a palavra “refletir” só
aparecia relacionada à coisas fora da escola, sobre a vida, por
exemplo. Nada na escola relacionava-se com o “refletir”. Isso é
um problema. Na escola os alunos aprendem a obedecer. Existe uma
“lógica da tarefa”. As crianças acham que estudar é
fazer o que a professora disse que elas tem que fazer. Nesse sentido,
a lógica do construtivismo nunca foi tão necessária na educação.
E indaga: “mas como fazer isso amanhã na sala de aula”? A
questão é: “o que é possível fazer”?
“Todo
mundo quer que os alunos pensem, mas ninguém os ensina a pensar”.
Charlot
diz que, em relação as crianças de camadas populares que acabam
por ser bem sucedidas inclusive na idade adulta, devem lidar ao mesmo
tempo com o sucesso e com o sofrimento de se diferenciar dos seus
familiares. É um sofrimento tanto da pessoa, quanto da família. Há
uma tripla autorização: a de que o filho será diferentes dos pais,
a de que você é diferente dos pais e aceitar que seus pais são
diferentes (aceitá-los como eles são). É mais ou menos assim
“ganha o mundo e perde a família” como referencial.
Pra
finalizar, Charlot coloca a questão da sociedade contemporânea,
suas contradições e desafios e que a escola precisa trabalhar com
atividades que façam sentido e que sejam fontes de saber. Diz ainda
que o conhecimento é sempre resposta à um questionamento. Tem que
dar espaço para a criança falar. Temos que saber o que elas pensam
sobre o que ensinamos.
Acredito
eu que todos esses pontos “pincelados” por Charlot em sua fala
nos levam a refletir sobre vários e diferentes aspectos da educação.
O que ficou mais forte pra mim foi a questão da construção do
sentido no saber e que esse sentido vem “de dentro” e não o
contrário. Dessa forma, faz-se necessário repensar as práticas
pedagógicas e tentar trazer os alunos para o centro da situação
educacional, procurando ouvi-los, saber o que pensam e colocá-los em
situações onde eles possam construir questionamentos e buscar
respostas. Buscar algo que faça sentido.
E vocês,
o que acham?
Edna
Telles
Fonte da
imagem:
http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-continuada/bernard-charlot-conflito-nasce-quando-professor-nao-ensina-609987.shtml
(acesso em 10/09/2012)