Menina
ainda, pequena, criança, negra
Não
entendia porque sua cor a diferenciaria
E na
escola chorava porque a sua professora,
não a
beijava, nem a abraçava.
Estranha
e dolorosa descoberta, porque a mesma professora
beijava,
elogiava e abraçava suas amiguinhas
pequenas,
crianças, brancas...
Dor, dor,
dor
Uma dor
que não compreendia
Não
conseguia se defender...
E
perguntava pra sua mãe o que tinha que fazer pra ficar branca
E então
conseguir o amor de tanta gente
amigos,
professora, até parente.
E ficava
triste porque ninguém queria brincar com a boneca que tinha a sua
cor
E aquelas
princesas eram todas brancas, loiras e de olhos azuis
Ela
queria ser como elas e também como aquelas moças da TV
Cadê as
apresentadoras negras? Cadê?
Assim ia
aprendendo que o belo, ao qual todos gostavam, não tinha nada a ver
com ela...
Não se
identificava, chorava...
Maior um
pouco, já no ensino fundamental
Ouviu
certa vez, numa aula, de uma certa professora
Que a cor
preta representava o pecado, as coisas ruins...
Nessa
mesma escola, teve que engolir a raiva
quando
outro professor, por puro preconceito, degradou sua religião, a
umbanda...
E
pensava: será que tudo que diz respeito a mim não presta?
Como é
que se constrói um ser humano desse jeito?
Entre
colegas, mais sofrimento, brigas entre as meninas, acontece...
Mas ouviu
de uma delas: “sua neguinha, se enxerga, olha pra você e olha
pra mim, quem é que vai levar a melhor na vida, hein?”
Revolta
dobrada quando ao relatar a situação para a coordenação, ouviu:
“não liga pra ela não, fica quieta e evita confusão”...
A
aprendizagem da submissão é cruel, e é ressaltada quando há
conivência
E a
sociedade reclama da violência...
O
sofrimento continuou no ensino médio, quando ao ser transferida pra
uma escola particular “bacana”, descobriu-se a única negra do
lugar
Era
olhada de cima a baixo por colegas e certos professores
E
aprendeu muito cedo que teria que provar a todos que estar ali era
mérito seu
Ela era
boa, era mulher e negra, mas era boa...
Conheceu
um rapaz e se apaixonou, mas a família dele não a aceitou: “onde
já se viu namorar uma moça negra, meu filho? Não é a gente não,
pensa bem, são os outros, meu bem...”
E tão
logo passou por uma desilusão amorosa...
a essa
altura, ela mesma já se achava feia e não merecedora do amor de
ninguém
E ainda
ouvia na escola que vivemos em uma democracia racial...
Entre
altos e baixos, mulher feita já
Enfrentou
o preconceito no mercado de trabalho
Sua
aparência não era bem à que as empresas queriam, apesar da sua
formação
E quando
enfim, conseguiu um emprego, descobriu que como mulher seu salário
era bem menor
E que
como negra, sua posição também era menor
Revolta
novamente ao descobrir as estatísticas e ao deparar-se com gente que
não sente na pele literalmente todo esse preconceito e fala mal das
cotas para negros
Ela mesma
começou a pensar nas companheiras de negritude que não tiveram a
mesma chance que ela, que não fizeram um ensino médio como o dela,
numa escola “bacana”, que chance teriam?
Como
concorreriam? Não, isso tudo é muito desleal.
Essa
mulher defendia as ações afirmativas, as mulheres, as pessoas
negras onde que ela fosse.
Mas um
dia chegou em casa e viu uma movimentação estranha...
Muita
gente na frente de casa, seu coração gelou na hora...
Vieram em
sua direção e pediram para que tivesse calma, que ela teria que ser
forte...
“O que
foi que aconteceu? Foi meu filho?”
“Nãaaaaaao!!!!!!!!”
E agora
apenas choro e desespero.
Seu filho
fora assassinado por policiais, confundido com um ladrão...
Sabe como
é, negro nesse país...
E
desacreditada da justiça
Cansada
de violência
revivendo
um filme que passava em sua cabeça...
revivendo
tudo o que sofreu na infância e juventude...
Não
aguentou...
E se
suicidou.
Edna
Telles
Fonte da imagem: http://cristianesobral.blogspot.com.br/2012/09/a-gente-so-pode-ser-aquilo-que-e-conto.html
Reconhecendo os momentos vividos por muitas no silêncio, na dor, na luta e na indignação de ser mulher negra no país "sem racismo" ou preconceitos.
ResponderExcluirObrigada querida Edna por contribuir com nossas discussões.
Abços
Magali
Obrigada Magali! Poderia ter escrito algo mais "palatável", mas quis mostrar a realidade, que muita gente ignora a existência. Fico feliz em saber que contribuí com a discussão! Abraço, Edna
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