Não,
não há nada mais que se possa fazer.
Aquela
pequena menina já foi convencida pela sua criação
Que
podia menos
Que
sentia mais
Que
brincava menos
Trabalhava
mais
Brincava
menos que as meninas brancas e ricas
Brincava
menos que os meninos pobres como ela
Aprendeu
devagarzinho ao ir à escola
Que
sua fila era separada
E
que ao ouvir dos colegas ao ver um menino em sua fila sem querer
“credo, mulherzinha”,
aprendeu bem que é vergonhoso ser menina, ser mulher.
Lá
na casa dela, ao ver a mãe trabalhando muito e chegando em casa e
continuando a trabalhar muito, fazendo comida, limpando a casa e
lavando a roupa, verificando se todas as crianças comeram, vendo se
havia lição de casa, acabada pelo cansaço enquanto seu pai
descansava no sofá e de vez em quando gritava algo grosseiro, ela
aprendeu a subserviência...
Quando
seus professores não a convidavam a participar do grupo que
desenvolvia projetos de tecnologia e a mexer com o equipamento da
rádio e a ela pediam que escrevessem o programa, ela aprendeu que
teria que ir para a área de humanas...
Quando
seu namorado falou pra ela transar sem camisinha por amor, ela
aprendeu desde mesmo antes disso, que deve ficar feliz em ter alguém
que goste dela, ela assim tão sem futuro...
Quando
engravidou aos 16 anos e foi deixada sozinha, pois afinal de contas,
quem mandou não se cuidar? Ela aprendeu que não tem direito a
decidir se quer ou não ter esse filho e que mulher pobre tem sim que
querer, pois as ricas pagam aborto seguro...
Quando
ela descobriu o amor com outra mulher, aprendeu que sua luta seria grande, pois para a sociedade em geral só há um jeito "certo" e "aceitável" de ter prazer: com o homem...
Quando
ela estudou muito e foi procurar emprego, ela aprendeu que mulher que
tem filho fica pra trás porque as empresas preferem as outras, que
não faltarão por qualquer coisa, afinal de contas, ela fez o filho
sozinha mesmo, não é?
Quando
ela conseguiu um altíssimo cargo numa grande empresa, ela aprendeu
que todo o seu trabalho, embora igual a de seus colegas homens, valia
muito menos porque ela era mulher... e embora ganhasse muito
dinheiro, era julgada porque não tinha tempo pra dedicação à
família, aos filhos...afinal de contas, ela fez o filho sozinha
mesmo, não é?
Quando
ela entendeu todo o processo de exclusão sistemática e construída,
ela mudou sua vida, deixou seus filhos brincarem com bonecas para
aprender a cuidar de alguém e ajudar suas futuras companheiras. Ou
companheiros? Começou a dividir as tarefas com todas as pessoas
dentro de casa, independente do sexo sem medo de ofender ninguém,
sem medo de se perder, sem medo de ficar sozinha.
Quando
ficou sozinha por ter a rédea de sua vida, descobriu que existem
outros homens (e porque não, outras mulheres?), que são legais e
que a entendem e a vêem como gente.
E,
feliz da vida, pensou que então, finalmente, poderia deixar que
alguém cuidasse dela também. Mas desconfia que apesar das
conquistas, ainda há muito pelo que lutar. Mas aprendeu também a
não desistir, e hoje segue resisitindo.
Há
sim, ainda há algo que se possa fazer.
E
você, vai ficar aí parado?
Edna
Telles
Muito bonito.
ResponderExcluirBeijos.
Fê.
Obrigada Fernando!
ResponderExcluirOlá, Edna! Menina adorei esse texto, muito bom mesmo, viu? Ele fez com que eu me remetesse ao tempo de criança...nossa...valeu! Beijos!
ResponderExcluirEdna Aquino!
Lindo texto Flor!!!!
ResponderExcluirÉrica Pask
Obrigada Edna e Érica!
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